Maioria governista deve tornar imprescritíveis delitos contra os direitos humanos
Tatiana Sabadini
O Uruguai estava ontem próximo de retomar o julgamento dos crimes de tortura e contra os direitos humanos cometidos durante a ditadura militar de 1973-1985. Os delitos prescreveriam na semana que vem, mas uma lei em discussão na Câmara dos Deputados, depois de aprovada no Senado, deve tornar os delitos imprescritíveis.
Assim como chilenos e argentinos, que também passaram por regimes militares nos anos 1970 e 1980, os uruguaios devem reabrir arquivos secretos e retomar os processos contra militares envolvidos em sequestro, morte e desaparecimento de opositores — ao contrário do que ocorre no Brasil, onde não há sinais de que a anistia aos repressores seja revista.
A decisão dos deputados uruguaios pode abrir caminho para que os casos não sejam arquivados, 26 anos após a volta à democracia. O governo do presidente José Mujica, ex-guerrilheiro que foi preso político por 13 anos, pressionou o Congresso para que habilitasse a Justiça retomar os julgamentos. Uma dezena de militares são acusados de tortura. Os ex-ditadores Gregório Alvarez e o Juan María Bordaberry, que morreu em junho deste ano, chegaram a ser condenados por homicídio qualificado, porém restam processos em andamento e casos que nem chegaram à Justiça.
A Lei da Caducidade, que trata dos crimes da ditadura, anistiou os militares e policiais uruguaios que violaram direitos humanos durante a ditadura. Nos últimos 20 anos, governos controlados por partidos tradicionais não mudaram a legislação. Com a chegada da esquerda ao poder, em 2005, a Frente Ampla reabriu a discussão política. Em maio, Mujica fracassou ao tentar revogar a lei, mas agora deve ter maioria na Câmara. Uma comissão de militares reformados informou que deve entrar na Suprema Corte de Justiça contra a eventual reabertura dos processos, sob o argumento de que seria inconstitucional. Os crimes de tortura não devem prescrever, segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que chegou a pressionar o Uruguai a investigar os delitos.
O Chile e a Argentina estão passando pelo mesmo processo, e muitos acusados estão sob julgamento. "A discussão que está ocorrendo no Uruguai tem amparo legal e, no caráter internacional, os crimes já são imprescritíveis. Todos os países democráticos deveriam seguir o mesmo curso.
Infelizmente, no Brasil não temos uma legitimidade nesse sentido: estamos fechados no obscurantismo da ditadura", afirma Mário Sérgio Soares, historiador e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre a Intolerância da Universidade de São Paulo (USP). Segundo o especialista, os governos latino-americanos precisam apostar na investigação e na abertura dos arquivos. "Os documentos, sendo públicos, levantam a memória do povo e referendam o sentido de justiça segundo o qual quem torturou precisa ser punido. No cenário internacional, é impossível pensar que esses crimes possam ficar impunes", completa Soares.
Adeus às armas
José Mujica já era um veterano no fim dos anos 1960, quando ingressou na luta armada com o Movimento de Libertação Nacional - Tupamaros. Guerrilha emblemática nos anos de chumbo da América do Sul, pela composição intelectual e pelas ações ousadas, os "tupas" se rearticularam na prisão e reingressaram com sucesso na vida civil. Depois de se tornarem espinha dorsal da coligação Frente Ampla, elegeram o presidente em 2009.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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