A quantidade recorde de seis ministros afastados em menos de dez meses de governo quer dizer o quê?
Depende. O governo certamente gostaria que a interpretação lhe fosse a mais favorável possível. Adoraria que as pessoas concluíssem que a presidente Dilma Rousseff não aceita "malfeitos".
A cena, porém, pode ser vista por outros ângulos. Um deles indica que a presidente não sabe escolher auxiliares.
Outro mostra que ela falha visivelmente no quesito imposição de critérios para nomeações, com a evidência de que o governo não faz nenhuma triagem nos nomes que lhe são submetidos como política e partidariamente mais convenientes.
Há ainda a infeliz coincidência de todos os demitidos até agora terem sido indicações sustentadas pelo ex-presidente Lula, o que não alivia a responsabilidade de quem deve, de fato e de direito, responder pelo bom andamento dos trabalhos governamentais.
A hipótese mais plausível, no entanto, é a mais simples: o governo nasceu velho, carcomido de vícios herdados e que foram aprofundados ao longo dos oito anos de gestão Lula e mantidos inalterados.
À força da inércia juntou-se a convicção de que a vitória eleitoral acrescida da aprovação popular ao desempenho dos governos Lula e Dilma indicavam que nada precisava ser mudado. Ou, por outra: era necessário que nada fosse mudado.
A realidade está mostrando o quanto de autoengano há nessa conclusão. Apoio popular expresso em pesquisas de opinião não quer dizer que tudo vá bem.
Significa que as pessoas se sentem satisfeitas quando olham a situação como um todo, mas não pode ser interpretado como um aval para que a administração seja tocada de qualquer maneira, sem a observância de parâmetros mínimos de legalidade.
Até porque o público não dispõe de todas as informações. Já o governo, melhor do que ninguém, sabe como as coisas funcionam (ou não funcionam).
Governos sabem que se rouba e quando não tomam providências para desmontar as "igrejinhas" cujos dízimos são as verbas públicas, francamente, não há outra conclusão possível: é porque deixam roubar.
Muito já se falou sobre isso, mas é bom repetir: demitir Orlando, João ou José não resolve o problema, que não está só nas pessoas físicas. O diabo mora mesmo é nas jurídicas que, pela lógica da troca de seis por meia dúzia, seguem sem ser importunadas.
Motivação. É possível que a presidente Dilma tenha saudade do tempo (não faz muito) em que demitia gente por crime de opinião.
Como ocorreu no início do governo com Pedro Abramovay, demitido da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas por defender penas alternativas para criminosos de pequeno porte.
Hoje, com tanta gente caindo por denúncias de corrupção, algo parecido soaria risível.
Documento. Tancredo, a Travessia - dirigido por Silvio Tendler e produzido por Roberto D’Ávila - remete a uma época em que política era coisa de profissional, no bom sentido.
Havia líderes, engajamento, articulação, propósitos, causas e, sobretudo, partidos interessados em algo além de dinheiro público: seja na forma de emendas ao Orçamento, de verbas para financiar fundos e programas de televisão ou na modalidade "heavy metal" da tomada de assalto a ministérios.
Não fosse por outros, o documentário, que entra no circuito amanhã, já teria o mérito de mostrar à juventude que outra forma de fazer política é possível.
Gato comeu. A nota Inglês ver saiu ontem sem a parte final. Desprovida, portanto, de conclusão e de sentido. Eis a íntegra: "Veja o leitor como o Congresso dança conforme a música que toca o Palácio do Planalto: há pouco mais de dois meses senadores lançaram a Frente Suprapartidária contra a Corrupção e a Impunidade, em apoio à dita "faxina" ética da presidente. O governo tomou outro rumo e a Frente emudeceu. É a desmoralização das boas intenções”.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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