Festival começa em meio a um
turbilhão que reconfigura o circuito de mostras competitivas
RIO - Com a seleção de filmes mais forte de
sua história, indo de produções com DNA de blockbuster a experiências de linguagem
aplaudidas pela crítica, o Cine PE abre sua 16 edição nesta quinta, às 20h, no
Teatro Guararapes, em Olinda, com "À beira do caminho", de Breno
Silveira, em meio a um turbilhão que reconfigura o circuito de mostras
competitivas no Brasil. De base política, o estopim da mudança foi a suspensão
do Festival de Paulínia, há duas semanas.
Criado em 2008 e cancelado por decisão do
prefeito José Pavan Júnior (PSB), o Festival de Paulínia integrava um projeto
cultural iniciado há cinco anos pelo município de 85 mil habitantes, a 117
quilômetros de São Paulo. Para virar o maior polo produtor de cinema do país,
usando receita do petróleo, a cidade injetou verbas em filmes por meio de
edital e construiu estúdios e escolas de audiovisual. Com prêmios de até R$ 250
mil, seu festival estabelecia-se como a mais visada competição nacional. De lá
saíram sucessos como "O palhaço" (2011) e até um candidato ao Oscar,
o documentário "Lixo extraordinário" (2010).
No dia 13 de abril, Pavan declarou que a
suspensão seria temporária, motivada pela necessidade de "apoiar projetos
sociais". A interrupção garantiria uma economia de R$ 10 milhões à cidade,
cujo orçamento do ano ronda R$ 840 milhões. Organizadores de edições anteriores
contestaram o valor anunciado pelo prefeito. Disseram que os custos ficam entre
R$ 2 milhões e R$ 3,5 milhões. Hoje, em São Paulo, um grupo de produtores e
agentes culturais luta para ressuscitar o evento. Mas nenhuma ação foi
anunciada até o momento.
O cancelamento de Paulínia coincide com uma
dança das cadeiras nas mostras competitivas, em busca de visibilidade. No ano
passado, o Festival de Brasília, o mais antigo do país, pulou de novembro para
setembro (de 17 a 24) e aumentou para R$ 250 mil o valor do prêmio em dinheiro
pago ao melhor filme. Já o Festival de Gramado, de 10 a 18 de agosto, quase foi
interrompido por dívidas financeiras, e volta agora com o ator José Wilker e o
crítico Rubens Ewald Filho entre seus curadores.
— O circuito tem um poder de regeneração
grande, mas não se repõe a perda de um grande evento como Paulínia — diz
Antonio Leal, vice-presidente do Fórum dos Festivais, associação que trabalha
para fortalecer os eventos de exibição no país. — Estamos diante de uma
reacomodação em que festivais do primeiro semestre, como o Cine PE, podem
atrair essa produção que se organizou para Paulínia.
‘Sou contra prêmio em dinheiro’
Mesmo sem oferecer aportes monetários com
valores iguais aos de Paulínia, os festivais remanescentes começam a se
reposicionar, buscando alternativas para seduzir produtores e realizadores. Mas
o Cine PE, orçado em R$ 1,6 milhão e sob a organização do casal de economistas
Sandra e Alfredo Bertini, resolveu não aderir à linha dos que oferecem
compensação financeira.
— Sou contra prêmio em dinheiro porque meu
papel, como organizador de festival, é garantir exibição, não aporte à
produção. Prêmio em dinheiro desvaloriza o troféu — diz Alfredo Bertini, que
preferiu renovar seus quadros apostando em títulos mais competitivos.
De cara, para a abertura, trouxe o novo longa
de Breno Silveira, diretor de "2 filhos de Francisco" (2005), que foi
visto por 5,3 milhões de espectadores. Estrelado por João Miguel, "À beira
do caminho", embalado por canções de Roberto Carlos, narra a luta de um
caminhoneiro para lidar com perdas afetivas.
— Rodado em 2010, esse filme ficou preso
comigo por muito tempo. Nunca o vi com mais de duas pessoas. Optei pelo Cine PE
porque lá posso ter uma troca com um público enorme (o Teatro Guararapes comporta
até 2,4 mil pessoas ) — diz Silveira.
"À beira do caminho" disputa o
Troféu Calunga com mais seis filmes, incluindo outra aposta dos exibidores:
amanhã, será mostrado, em concurso, "Paraísos artificiais", dirigido
por Marcos Prado e produzido por José Padilha, parceiros nos dois "Tropa
de elite". No sábado, Olinda vai dar uma espiadinha no documentário que
Pedro Bial dirigiu a quatro mãos com Heitor D’Alincourt: "Jorge Mautner —
O filho do Holocausto". Já o domingo terá clima de policial noir dos anos
1940, com "Boca", do paulista Flávio Frederico, elogiado na
Inglaterra por seu clima de filme de gângster.
Na segunda-feira, a literatura
infanto-juvenil best-seller de Lygia Bojunga ganha as telas em "Corda
bamba — História de uma menina equilibrista", de Eduardo Goldenstein. Para
o feriado de 1 de maio, foram selecionados dois pernambucanos: "Na
quadrada das águas perdidas", um monólogo de Wagner Miranda e Marcos
Carvalho, com Matheus Nachtergaele em cena; e o documentário "Estradeiros",
de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira. No dia 2, serão anunciados os ganhadores.
— Paulínia começou forte e fez uma história
bonita, mas, com sua força econômica, amarrava parte da produção nacional — diz
Bertini. — Para os festivais do primeiro semestre, era difícil conseguir certos
filmes que, por terem sido produzidos com o aporte da cidade, tinham
compromisso de estrear lá. Desde 2011 eu tinha que negociar filmes com eles.
Neste ano, ele tentava negociar a exibição de
"Totalmente inocentes" e "A cadeira do pai", entre outros:
— Nem tive resposta. Sinal dos problemas que
causaram essa lamentável suspensão.
Bertini lembra que festivais organizados por
órgãos públicos são sempre suscetíveis a questões políticas.
— Eventos como o Cine PE, o Cine Ceará e o
Festival do Rio têm uma constituição que parte de empresas privadas, o que nos
garante maior independência e, por consequência, estabilidade — diz. — Até dia
2, o que a gente quer é celebrar a pluralidade do cinema, como grandes
festivais, incluindo o de Paulínia, sempre lutaram para fazer.
FONTE: O GLOBO
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