quinta-feira, 26 de abril de 2012

Cine PE começa com seleção de filmes mais forte de sua história


Festival começa em meio a um turbilhão que reconfigura o circuito de mostras competitivas


RIO - Com a seleção de filmes mais forte de sua história, indo de produções com DNA de blockbuster a experiências de linguagem aplaudidas pela crítica, o Cine PE abre sua 16 edição nesta quinta, às 20h, no Teatro Guararapes, em Olinda, com "À beira do caminho", de Breno Silveira, em meio a um turbilhão que reconfigura o circuito de mostras competitivas no Brasil. De base política, o estopim da mudança foi a suspensão do Festival de Paulínia, há duas semanas.

Criado em 2008 e cancelado por decisão do prefeito José Pavan Júnior (PSB), o Festival de Paulínia integrava um projeto cultural iniciado há cinco anos pelo município de 85 mil habitantes, a 117 quilômetros de São Paulo. Para virar o maior polo produtor de cinema do país, usando receita do petróleo, a cidade injetou verbas em filmes por meio de edital e construiu estúdios e escolas de audiovisual. Com prêmios de até R$ 250 mil, seu festival estabelecia-se como a mais visada competição nacional. De lá saíram sucessos como "O palhaço" (2011) e até um candidato ao Oscar, o documentário "Lixo extraordinário" (2010).

No dia 13 de abril, Pavan declarou que a suspensão seria temporária, motivada pela necessidade de "apoiar projetos sociais". A interrupção garantiria uma economia de R$ 10 milhões à cidade, cujo orçamento do ano ronda R$ 840 milhões. Organizadores de edições anteriores contestaram o valor anunciado pelo prefeito. Disseram que os custos ficam entre R$ 2 milhões e R$ 3,5 milhões. Hoje, em São Paulo, um grupo de produtores e agentes culturais luta para ressuscitar o evento. Mas nenhuma ação foi anunciada até o momento.

O cancelamento de Paulínia coincide com uma dança das cadeiras nas mostras competitivas, em busca de visibilidade. No ano passado, o Festival de Brasília, o mais antigo do país, pulou de novembro para setembro (de 17 a 24) e aumentou para R$ 250 mil o valor do prêmio em dinheiro pago ao melhor filme. Já o Festival de Gramado, de 10 a 18 de agosto, quase foi interrompido por dívidas financeiras, e volta agora com o ator José Wilker e o crítico Rubens Ewald Filho entre seus curadores.

— O circuito tem um poder de regeneração grande, mas não se repõe a perda de um grande evento como Paulínia — diz Antonio Leal, vice-presidente do Fórum dos Festivais, associação que trabalha para fortalecer os eventos de exibição no país. — Estamos diante de uma reacomodação em que festivais do primeiro semestre, como o Cine PE, podem atrair essa produção que se organizou para Paulínia.

‘Sou contra prêmio em dinheiro’

Mesmo sem oferecer aportes monetários com valores iguais aos de Paulínia, os festivais remanescentes começam a se reposicionar, buscando alternativas para seduzir produtores e realizadores. Mas o Cine PE, orçado em R$ 1,6 milhão e sob a organização do casal de economistas Sandra e Alfredo Bertini, resolveu não aderir à linha dos que oferecem compensação financeira.

— Sou contra prêmio em dinheiro porque meu papel, como organizador de festival, é garantir exibição, não aporte à produção. Prêmio em dinheiro desvaloriza o troféu — diz Alfredo Bertini, que preferiu renovar seus quadros apostando em títulos mais competitivos.

De cara, para a abertura, trouxe o novo longa de Breno Silveira, diretor de "2 filhos de Francisco" (2005), que foi visto por 5,3 milhões de espectadores. Estrelado por João Miguel, "À beira do caminho", embalado por canções de Roberto Carlos, narra a luta de um caminhoneiro para lidar com perdas afetivas.

— Rodado em 2010, esse filme ficou preso comigo por muito tempo. Nunca o vi com mais de duas pessoas. Optei pelo Cine PE porque lá posso ter uma troca com um público enorme (o Teatro Guararapes comporta até 2,4 mil pessoas ) — diz Silveira.

"À beira do caminho" disputa o Troféu Calunga com mais seis filmes, incluindo outra aposta dos exibidores: amanhã, será mostrado, em concurso, "Paraísos artificiais", dirigido por Marcos Prado e produzido por José Padilha, parceiros nos dois "Tropa de elite". No sábado, Olinda vai dar uma espiadinha no documentário que Pedro Bial dirigiu a quatro mãos com Heitor D’Alincourt: "Jorge Mautner — O filho do Holocausto". Já o domingo terá clima de policial noir dos anos 1940, com "Boca", do paulista Flávio Frederico, elogiado na Inglaterra por seu clima de filme de gângster.

Na segunda-feira, a literatura infanto-juvenil best-seller de Lygia Bojunga ganha as telas em "Corda bamba — História de uma menina equilibrista", de Eduardo Goldenstein. Para o feriado de 1 de maio, foram selecionados dois pernambucanos: "Na quadrada das águas perdidas", um monólogo de Wagner Miranda e Marcos Carvalho, com Matheus Nachtergaele em cena; e o documentário "Estradeiros", de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira. No dia 2, serão anunciados os ganhadores.

— Paulínia começou forte e fez uma história bonita, mas, com sua força econômica, amarrava parte da produção nacional — diz Bertini. — Para os festivais do primeiro semestre, era difícil conseguir certos filmes que, por terem sido produzidos com o aporte da cidade, tinham compromisso de estrear lá. Desde 2011 eu tinha que negociar filmes com eles.

Neste ano, ele tentava negociar a exibição de "Totalmente inocentes" e "A cadeira do pai", entre outros:

— Nem tive resposta. Sinal dos problemas que causaram essa lamentável suspensão.

Bertini lembra que festivais organizados por órgãos públicos são sempre suscetíveis a questões políticas.

— Eventos como o Cine PE, o Cine Ceará e o Festival do Rio têm uma constituição que parte de empresas privadas, o que nos garante maior independência e, por consequência, estabilidade — diz. — Até dia 2, o que a gente quer é celebrar a pluralidade do cinema, como grandes festivais, incluindo o de Paulínia, sempre lutaram para fazer.



FONTE: O GLOBO

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