Jairo Nicolau aponta que o eleitor brasileiro tem muito pouca informação e que seu padrão diante das urnas é ser guiado mais pelos nomes, pela avaliação que se faz de um governante ou de uma campanha, do que por questões partidárias e ideológicas
Por: Graziela Wolfart
Diante do cenário eleitoral e político-partidário atual, o professor da UFRJ, Jairo Nicolau, considera curioso e até estranho a ausência de uma crise gravíssima de representatividade em nossa sociedade. “O eleitor vai às urnas e não aumenta o voto branco e nulo; ele não deixa de comparecer. Ainda que o voto seja obrigatório, sabemos que as punições são muito tênues e o eleitor poderia decidir não participar das eleições. O eleitor se acostumou com esse quadro. Ele vai, faz sua escolha, mas não se entusiasma”, explica, na entrevista concedida por telefone para a IHU On-Line. Segundo a percepção do professor, as pessoas “decidem seu voto nos últimos dias de campanha. O eleitor não sofre nem se lastima diante do quadro partidário. O que o preocupa é a corrupção”. O fato é, conclui, “que o eleitor se acostumou a ter políticos assim e vota no ‘menos ruim’ ou no melhor”.
Jairo Nicolau é professor no Departamento de Ciência Política da UFRJ. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, mestrado e doutorado em Ciência Política (Ciência Política e Sociologia) pela Sociedade Brasileira de Instrução – SBI/IUPERJ. Entre seus livros publicados, citamos História do voto no Brasil (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002) e Sistemas eleitorais (Rio de Janeiro: FGV Editora, 2004).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual o peso para as eleições municipais das alianças feitas entre os partidos em âmbito federal?
Jairo Nicolau – É importante salientar que, no Brasil, nós não temos um sistema de partidos tão estruturado em termos programáticos de forma que as decisões sobre as alianças que acontecem em âmbito nacional sejam reproduzidas depois nos diretórios municipais. Claro que isso pode acontecer com alguns poucos partidos, o que é mais comum particularmente nos partidos da esquerda. Mas, mesmo nesses casos, se observarmos o número de alianças que temos Brasil (temos 5.565 municípios), pelo menos a partir dos dados de outras eleições, veremos uma reprodução de um quadro muito curioso: todos os partidos estão coligados com todos os partidos. Mesmo os que são adversários fortes no âmbito nacional, em algum município brasileiro estão juntos por razões locais. É claro que isso não é um padrão. Essa “confusão” não se reproduz em todos os municípios. No Brasil, de um modo geral, o quadro é muito confuso, mostrando que no pequeno município as questões nacionais fazem pouca diferença. Pesa mais a realidade local, como relações de amizade e familiares.
IHU On-Line – O que o senhor tem a dizer sobre a foto de Maluf com Lula e sobre o fato que ela registra?
Jairo Nicolau – A foto foi um choque para muitos brasileiros do ponto de vista simbólico. Recentemente assisti a um documentário sobre Tancredo Neves e naquele momento da eleição dele está claramente a figura de Maluf, de um lado, representando o regime autoritário, que acabava; o Tancredo, como candidato de oposição; e o PT sequer apoiando, naquela oportunidade, a candidatura de Tancredo. É curioso que menos de três décadas depois aconteça essa aliança em São Paulo – Maluf com Lula. Por mais que reconheçamos que a política e as pessoas mudam, há um simbolismo muito forte nessa imagem. E não pela aliança do PT e do PP, porque já estão juntos no âmbito nacional e o PP é um partido que foi muito fiel ao governo Lula e ainda é fiel ao governo Dilma. O problema é o simbolismo de ver uma figura popular de oposição, que fez em São Paulo, sobretudo, uma forte oposição ao malufismo, e de outro lado o Maluf, que representa simbolicamente não só vínculos com o regime militar, mas também o envolvimento com escândalos. Isso inevitavelmente vai produzir um efeito na campanha, mas não sei de que magnitude. Uma parte dos eleitores petistas ficará decepcionada com essa foto. Mas na hora H os eleitores pensarão “ah, tudo bem, isso é circunstancial, uma decisão do Lula, vou votar no candidato do PT”. Imagino que os adversários vão explorar muito essa imagem no horário eleitoral.
IHU On-Line – O que seria uma oposição crítica ao governo federal atual? Existe espaço para essa oposição?
Jairo Nicolau – A oposição é fundamental para a democracia. Todo o país democrático tem uma oposição, que tem o papel de fiscalizar o governo e apresentar propostas alternativas a ele. Se houvesse um grande consenso em torno das políticas públicas para o país, não seria preciso nem partidos. Todos se uniriam em torno de um projeto nacional. Mas em todo o governo sempre haverá uma oposição. Ela pode ser mais contundente, mais agressiva, pode variar o tom, o estilo, tudo depende da cultura política do país. O que aconteceu durante o governo Lula é que os partidos que foram para a oposição tiveram muita dificuldade em fazer esse trabalho, não só porque não tinham cacoetes e experiência de estar na oposição, mas também porque uma parte das políticas que o governo implementou tinha grande apoio popular (como o caso do Bolsa Família e das políticas de apoio à população mais pobre). Eram propostas defendidas pela oposição, o que a deixou esvaziada e com dificuldade de operar durante o governo. De forma que a oposição ao governo Lula foi muito tênue e isso continua, de certa maneira, no governo Dilma. Percebo que mesmo os movimentos sociais pisam um pouco no freio diante do governo Dilma, porque várias das suas lideranças estão no PT, o que dificulta uma oposição mais contundente.
IHU On-Line – Quais são os partidos que, hoje, em âmbito nacional, podem ser apontados como antagônicos e opostos?
Jairo Nicolau – O que temos é uma oposição dos grupos que estiveram no poder durante o governo Fernando Henrique – basicamente PPS, PSDB e os democratas (antigo PFL, que hoje está muito fragilizado). Esse é um grupo, cuja bancada na câmara e no senado é pequena. Pode haver aí, para o futuro, na próxima eleição, quem sabe, uma oposição mais à esquerda, com um candidato um pouco mais consistente. Mas isso tudo ainda é muito incipiente.
IHU On-Line – O senhor identifica a carência de novas lideranças políticas que levem em conta mudanças realmente estruturais?
Jairo Nicolau – O país, por razões óbvias, está passando por uma renovação demográfica. Talvez a Dilma seja a última chefe de governo de uma geração que fez política durante o regime militar de maneira forte. Há uma geração ainda incipiente, em torno de 50 anos para baixo, no PSDB, no PMDB e em alguns partidos de esquerda. Curiosamente o PT tem tido uma dificuldade maior de gerar lideranças mais jovens, nessa faixa etária. Talvez a principal delas seja o candidato à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad. Mas é uma renovação inevitável. Essa nova geração tende a ser mais conectada à juventude, a uma linguagem e a uma forma de comunicação mais moderna, ligada às redes sociais, mais antenada a questões internacionais. No entanto, essas lideranças ainda são poucas, muitas delas têm abrangência estritamente local e regional. Não temos grandes lideranças nacionais que empolguem, que entusiasmem e que estejam nessa faixa de idade. O que temos são lideranças mais velhas, na faixa de 60 a 70 anos, que nasceram nos anos 1940. Essa geração, por idade e cansaço, está saindo de cena e ainda não foi substituída por uma nova geração que tenha feito história ou que tenha uma biografia de serviços prestados ao país. Estamos entrando num vazio em que novas figuras deverão aparecer.
IHU On-Line – Que tipo de renovação se faz necessária no quadro partidário e eleitoral brasileiro?
Jairo Nicolau – No quadro partidário, de certa maneira, esse desafio da renovação tem contaminado todos os partidos, que precisam se renovar, o que não significa a criação de novos partidos. Por exemplo, hoje eu li que a candidata Marina Silva está pensando em organizar um novo partido. Mas isso será apenas para viabilizar a sua candidatura na próxima eleição. Não é um partido com uma agenda nova, com questões modernas que, por exemplo, o PV não conseguiu expressar como organização. Nós já temos 29 partidos, para todos os gostos. O que precisamos é que alguns deles se renovem e consigam, minimamente, outra forma de comunicação com o eleitorado, atraindo-o com propostas mais modernas. Os partidos brasileiros estão um pouco cansados, desatualizados. É preciso dar uma chacoalhada neles, buscando uma agenda mais sintonizada com o país. Com relação à renovação nas eleições, vejo que o processo eleitoral no Brasil, como organização, está muito bem. O único ponto que ainda precisa uma discussão mais séria é a questão do financiamento das campanhas. As campanhas no Brasil estão precisando de uma nova legislação, que quebre um pouco essa relação com o dinheiro, que diminua o custo das campanhas e reduza a corrupção eleitoral.
IHU On-Line – Qual o impacto do julgamento do mensalão sobre a política brasileira?
Jairo Nicolau – Sobre a política, é preciso esperar o resultado. A absolvição terá uma consequência e pode reforçar essa ideia de impunidade. Já a punição terá outra avaliação, inferindo na imagem que as novas gerações terão do governo Lula. Com relação às eleições, particularmente, o mensalão não deverá ter nenhum efeito muito acentuado.
IHU On-Line – O senhor considera que o eleitor brasileiro é partidário? De modo geral, o que caracteriza o voto do povo brasileiro?
Jairo Nicolau – Não. O eleitor brasileiro não é partidário. Por exemplo, nas eleições legislativas, quase sempre ele se move por questões que não são partidárias: pode ser a biografia, o contato com o candidato e o fato de ele pertencer a categorias como o sindicato, a igreja ou ser uma personalidade da televisão. Mas isso não quer dizer que o partido não conta. Ele conta, mas para um número pequeno de eleitores. Alguns eleitores são filiados a partidos, têm preferência por algum partido e transformam essa preferência em voto. Esse eleitor é raro no país. Em geral, o eleitor se move por questões contingentes, de curto prazo: “a economia está bem; o governo está bem; fez boas políticas; então estou com ele”. Não quer dizer que uma parte dos eleitores, em torno de 15 a 20%, não seja partidário ou siga uma ideologia tipo de esquerda ou direita.
IHU On-Line – Como a sociedade brasileira, em geral, reage diante das alianças políticas e de que maneira isso interfere nas urnas?
Jairo Nicolau – Em geral as pessoas não percebem as diferenças, não têm informação, não acompanham a vida partidária. Por exemplo, o atual prefeito do Rio de Janeiro e candidato à reeleição está numa coalizão de 20 partidos. Isso vai ser explorado na campanha, mas ninguém vai deixar de votar no candidato porque ele está coligado com 20 partidos. Na última eleição fizeram uma brincadeira com o candidato a governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que tinha 16 partidos na sua base de apoio, pedindo-o para ele enumerar os partidos que estavam na aliança e ele não sabia, não conseguiu lembrar. O eleitor tem muito pouca informação. No geral, esses detalhes não importam muito. O padrão do eleitor brasileiro é ser guiado mais pelos nomes, pela avaliação que se faz de um prefeito, de uma campanha, do que por questões partidárias e ideológicas.
IHU On-Line – O senhor percebe uma crise no sistema partidário atual e na política representativa?
Jairo Nicolau – Curiosamente, eu não percebo isso e até me é estranho, porque depois de toda essa conversa que tivemos deveríamos esperar uma crise gravíssima. Mas não vejo nenhum sintoma dessa crise. O eleitor vai às urnas e não aumenta o voto branco e nulo; ele não deixa de comparecer. Ainda que o voto seja obrigatório, sabemos que as punições são muito tênues e o eleitor poderia decidir não participar das eleições. O eleitor se acostumou com esse quadro. Ele vai, faz sua escolha, mas não se entusiasma. As eleições estão ficando mais curtinhas; em geral as pessoas decidem seu voto nos últimos dias de campanha. O eleitor não sofre nem se lastima diante do quadro partidário. O que o preocupa é a corrupção. Por enquanto, não percebo nenhum sinal de crise de representação. Mas poderá ocorrer, eventualmente, uma crise de legitimidade. O fato é que o eleitor se acostumou a ter políticos assim e vota no “menos ruim” ou no melhor; se o governo atual está bom, ele fica.
IHU On-Line – O que a pesquisa com dados eleitorais mais tem lhe ensinado sobre a política brasileira no decorrer destes anos trabalhando nesta área?
Jairo Nicolau – O que eu tenho aprendido como lição é que estamos acostumados a pensar sempre a excepcionalidade. E no Brasil, em geral, nossa excepcionalidade é negativa. Achamos que partidos brasileiros são pouco ideológicos e que são os piores do mundo. Aprendi que temos uma experiência eleitoral muito rica do ponto de vista da rotina, da logística e nos acostumamos a ter eleições de um determinado jeito. Se formos estudar o sistema eleitoral dos Estados Unidos, do Reino Unido, ou da França, veremos que nesses lugares também todos vão reclamar, falando de aspectos negativos. O importante é que criamos um sistema muito democrático de eleições regulares. As eleições no Brasil são muito democráticas quando comparadas com outros países. Temos políticos ruins, bons, instituições de controle que às vezes falham, melhoramos em algumas coisas, como a lei da Ficha Limpa, avançamos em outras, como é a o caso da relação dos políticos com as empresas. O que aprendi é que não somos tão ruins quanto muita gente pensa e outros países também têm problemas. Aprendi a conviver com esse tipo de eleições, que tem muito de positivo.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar mais alguma questão?
Jairo Nicolau – Aproveito para divulgar que estou lançando no final deste mês um livro chamado Eleições no Brasil. Do Império aos nossos dias. É um livro que fala sobre as regras eleitorais do Brasil. Vai sair pela Editora Zahar.
FONTE: IHU On-Line
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