Perguntem a quase qualquer partido político brasileiro o que ele quer ser
quando crescer, se crescer, para crescer. É quase certo que, se ele for
sincero, responderá: "PMDB". Chamo de "PMDB" um partido de
pouca definição ideológica, capaz de sustentar um governo de direita ou
esquerda, mas formado por tantas alianças regionais que consegue um bom retorno
da União em troca de seu apoio.
Em 2011 foi criado um segundo PMDB, com o nome de "PSD", a maior
realização do prefeito Gilberto Kassab - um partido que, em sua certidão de
nascimento, conseguiu se definir como não sendo "de direita, de centro nem
de esquerda". Nos últimos meses, o Partido Socialista Brasileiro, que pelo
nome deveria ter posição ideológica de esquerda, caminhou para ser nosso
terceiro e simultâneo PMDB. Nas eleições deste ano, o PSB fez alianças as mais
diversas, ampliando o contingente de seus prefeitos e também, o que pode ser um
sinal, aliando-se ao PSD em várias cidades.
Por que vivemos essa peemedebeização dos partidos? Na década de 1980, o
Brasil parecia caminhar no rumo oposto. Foi quando nasceram os dois partidos
que, nas últimas duas décadas, governaram o país. Em 1980, surgiu o Partido dos
Trabalhadores. Demorou a ter uma bancada parlamentar digna de nota. Mas desde o
começo conheceu um sucesso de crítica. Nasceu, em certa medida, contra o PMDB.
Pretendeu, quando a democratização despontava no Brasil, libertar as causas
trabalhistas e populares da dependência em face dos projetos apenas liberais da
oposição então existente. A par disso, se caracterizou pela ética e mesmo pela
intransigência. Queria mobilizar as pessoas, mais do que ganhar eleições ou
benesses. O PSDB nasce depois do fim da ditadura, em 1988. Seus fundadores eram
membros históricos do PMDB, mas romperam com ele por divergências que seriam
éticas com as lideranças do partido original.
Sem identidade, os partidos são bons coadjuvantes
Com suas diferenças, PT e PSDB mostravam forte preocupação ética e
convicções ideológicas. Por isso mesmo, continuam tendo as personalidades mais
marcantes de nossa política. Esta continua a se polarizar em torno deles. Vejam
a questão das coligações possíveis. Por mais de dez anos, tivemos quatro
grandes partidos, o PMDB, o PSDB, o PT e o PFL (depois, DEM). Pois bem: deles,
o PT podia se aliar apenas ao PMDB; o PSDB, ao PMDB e ao PFL; o PFL, somente ao
PSDB - e o PMDB a qualquer um dos outros três. O PT e o DEM eram os mais
consistentes em ideologia, o PMDB o menos. Ora, hoje, com a queda do DEM para a
oitava posição na Câmara, após a criação do PSD, quase todos os nossos partidos
podem se aliar a qualquer um. Mesmo o PCdoB, que por ser comunista deveria ter
fronteiras ideológicas nítidas, entrou para a administração Kassab em São
Paulo. Numa conta rápida, que não deve esquecer as diferenças internas a cada
partido, dos 513 deputados federais apenas 164 pertencem a agremiações
exigentes em termos de alianças - repito, o PT (87 deputados), o PSDB (49) e o
DEM (28).
Quer dizer que, na década de 1980, ante o fim do regime militar e a eleição
da Constituinte, queria-se mais dos partidos. Hoje, após três décadas de
avanços democráticos, com eleições mais limpas, forte inclusão social e até
sinais de que a corrupção poderá começar a ser punida, os partidos políticos
têm ambições rasteiras. Querem o poder, claro. Isso é de sua natureza. Mas
dizem cada vez menos para que desejam o poder. Projetos para o país melhorar,
têm poucos. Nesta eleição, o próprio PSDB só conseguiu apresentar seu programa
para a prefeitura de São Paulo em cima da hora.
Por que essa queda em ambição, em projeto, em idealismo? Por que esse avanço
do interesse, da busca da oportunidade, da aliança sem muito pudor? Sem dúvida
o fenômeno não é positivo. Mas pode dever-se, em parte, à consolidação do PT e
do PSDB como os partidos ideológicos ou, embora a palavra cada vez valha menos
até para eles, idealistas de nosso espectro politico. Para os outros, não vale
a pena ter ideais ou ideologias. É o que sucedeu, na esquerda, com os partidos
socialista e comunista, e, na direita, com o PP e agora o PSD, criado para
eleitos da direita poderem apoiar o governo Dilma (ou qualquer governo).
E isso é curioso, porque tanto se cantou o fim da polarização, tantos
quiseram ou querem uma terceira via na política brasileira... O PMDB tem falado
em lançar, talvez em 2018, um nome próprio para a presidência da República;
isso parece indicar que o principal cargo do país, o que define o rumo político
do Brasil, poderia ser preenchido só na base de alianças, sem projeto. Resta
ver se isso dará certo. Pessoalmente, duvido. Creio que o avanço dos grupos de
interesses, dos partidos em que o projeto cede lugar ao lobismo, também os
incapacita para voos mais altos. O PSB pode, sim, aumentar seu cacife pedindo a
Vice-Presidência da República para escolher se apoia um tucano ou um petista
para a sucessão de Dilma. Mas isso não o converte em cabeça de chapa - ao
contrário. Isso o limita a uma posição secundária.
Por mais que o modelo PMDB ofereça ganhos tangíveis e certos, os dois
partidos que, somados, ou melhor, brigados, chefiam o Estado há quase 20 anos,
só conseguiram isso porque não foram nem são PMDB. Nosso grande partido-ônibus
é vantajoso para apoiar, não para liderar. Lutar pela hegemonia, como fazem PT
e PSDB, tem um custo. Você pode perder. Já fazer alianças com qualquer lado
(exagero um pouco no "qualquer") tem suas vantagens, mas traz um
custo: você não disputa a final do campeonato. Pode até se manter na primeira
divisão, mas não chega à final do Brasileirão.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na
Universidade de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico
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