E PSDB, maior partido de oposição, está frente a uma escolha decisiva: ou continua
a nutrir o ressentimento da classe média tradicional ante a ascensão social dos
mais pobres, ou conquista justamente esses ex-pobres, que subiram na vida com o
governo Lula, oferecendo-lhes algo que o PT já não seria capaz de fornecer. Ou
os tucanos apostam na velha classe média, como tem feito sobretudo a seção
paulista do partido, ou lutam pela nova classe média. Ou ficam no
ressentimento, ou partem para a proposta. Quedam-se no passado ou projetam um
futuro.
O título deste artigo pode soar estranho, ainda mais se eu disser que o
melhor que os cidadãos temos a fazer é torcer para a oposição - e para o
governo. Torcer contra o governo é querer que ele não faça o que deve fazer.
Isso prejudica a todos. Ninguém ganha se a produção, a saúde e a educação
piorarem. Mas torcer para a oposição é apostar no futuro. Um dia, a oposição
será governo. Se for boa na oposição, poderá ser boa no governo. A história
recente mostra que os melhores governos vêm das oposições mais fortes em seus
projetos: PSDB e PT. O governo é o presente, a oposição é o futuro - só que não
se sabe quando chegará esse futuro, nem com qual oposição.
Mas o que entender, hoje, por oposição? Se decantarmos a gritaria própria a
uma eleição, restam uma oposição visível e uma invisível. A visível é o PSDB,
que continua anexando o minguado DEM e o nunca robusto PPS. Os tucanos são hoje
a única força política viável que se opõe ao Planalto. Eles formam a oposição
realmente existente. Quem quiser tirar o PT da Presidência precisa pensar no
PSDB. Já a invisível, da qual falarei outra semana, são os verdes.
PSDB deve apostar na classe média que cresceu com o PT
Fernando Henrique, meses após a eleição de 2010, publicou na revista
"Interesse Nacional" o artigo "O papel da oposição" (no
singular, porque ele não considera os verdes). A tese maior é que o PSDB deve
disputar com o PT a classe média, não os pobres. Não diz, mas é óbvio, que a
classe média cresce devido às políticas petistas. De 2005 a 2010, cinquenta
milhões de pessoas foram das classes D e E para a C. A injusta pirâmide social
que caracteriza o Brasil cedeu lugar a um losango, no qual se destaca a classe
C. Portanto, a ideia é que o PSDB, em vez de ser apenas o pré-Lula, seja também
e sobretudo o pós-Lula. Ele se beneficiaria da herança "bendita" dos
governos petistas, bem como das limitações deles para aprofundá-las. Se o maior
projeto de Dilma Rousseff é converter o Brasil num país de classe média, para
os tucanos o melhor será surfar nos resultados, se possível felizes, dessa
ação. O PT só ofereceria aos pobres o que eles não têm, poder de compra, não
seus novos desejos e necessidades. O PSDB, sim, mas desde que lute por isso. E
a oportunidade se deve justamente ao crescimento petista da classe C.
O PSDB está na curiosa condição de um partido que tem nome para disputar a
Presidência - um nome simpático, fotogênico, disposto a negociar - mas carece
de conteúdo definido. Tem um comunicador, o que na democracia de massas é
trunfo essencial, mas não sabe o que comunicar. Comparemos: FHC comunicava-se
bem com a sociedade e sabia o que lhe dizer; José Serra tinha conteúdo, porém
comunicou-se mal - e seu próprio conteúdo terminou contaminado pelo preconceito
religioso. Já Aécio comunica bem, mas não está claro o quê. A falha é do
partido. O PSDB não sabe o que oferecer hoje à sociedade, fora o discurso
reativo do rancor antipetista, que afundou dois candidatos seus ao Planalto.
A questão é ir além do poder de compra, para definir a classe média.
Pirâmide e losango falam de dinheiro recebido. Mas o eixo da ascensão social é
a educação, até mesmo para melhorar a qualidade de nossas eleições. Temos de
aprimorar a educação, garantir a saúde, firmar a cidadania. Acrescento: boa
parte dessa classe média poderia ser ganha pelo empreendedorismo. Ela não precisa
ter como sonho - ou pesadelo - o assalariamento. Pode empreender. Ora, o
empreendedorismo é a versão mais recente do projeto liberal, isto é, do projeto
da livre iniciativa, do empresário, no caso, pequeno ou médio, que tem no lucro
o motor da ação. No desenho político, defender esse projeto deveria caber a um
partido liberal. O mais próximo que temos do liberalismo é o PSDB.
Já comentei o absurdo que é um governo petista fazer mais pelo empreendedorismo
do que os tucanos. Se é bom o PT incentivá-lo, o que causa estranheza é que,
ideologicamente, a oposição deveria enfatizar ainda mais esse tema.
Serão os tucanos capazes de compor uma cesta de propostas adequada à classe
média? Por ora, sua oratória política oferta à classe média um produto
envelhecido: o moralismo como peça retórica com a finalidade, nem tão oculta,
de reforçar a classe média tradicional no ódio aos pobres que subam na vida
(moralismo esse que não se confunde com a verdadeira e necessária moralidade).
Correm o risco de repetir a ação da UDN contra Getúlio Vargas, que o partido
conservador detestava não tanto por seus erros e crimes, mas pelo acerto de
trazer os mais pobres para a cena política. Mas o PSDB não é filho ou neto da
UDN. Ele pode ter um discurso para os ex-pobres, ou os ainda pobres. Só que,
para isso, precisa parar de nutrir o ressentimento dos que mantêm o nível bom
de vida, mas sentem raiva porque esse nível está deixando de ser (seu)
privilégio. Aliás, onde foi dar a UDN? Não conseguindo votos, abriu caminho
para o golpe militar de 1964 - que, por sua vez, a extinguiu. O PSDB pode
propor coisa melhor ao Brasil. Tem candidato. Falta definir um projeto, que é
possível.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na
Universidade de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico
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