Diante do risco de uma crise anunciada, o melhor caminho poderia ser ajustar a Constituição. Sei que minha proposta é quase impossível de ser cumprida. Afinal, nossos congressistas costumam, sempre que têm a oportunidade, legislar em causa própria. Dificilmente têm a coragem cívica de aprovar algo que atente contra seus mandatos, mesmo quando tudo indica ser esse o melhor caminho para evitar crises e deixar o bom senso prevalecer.
É o caso do tema levantado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) ao analisar se os três deputados envolvidos no mensalão devem perder ou não o mandato. A razoabilidade indica que sim, um deputado condenado pelo Supremo, perdendo seus direitos políticos, não pode continuar votando na Câmara depois de seu caso ter transitado em julgado, esgotado seus direitos de recursos.
Afinal, imagine a cena: um dos parlamentares, condenado a regime semiaberto, vota durante o dia em sessão da Câmara e, à noite, é obrigado a dormir na prisão. Difícil de explicar tal situação para a população. Principalmente pelo fato de o Supremo ter decidido que ele perdeu seus direitos políticos.
O problema é que a Constituição em vigor gera interpretações dúbias sobre o caso em questão. Tanto que o Supremo vai ficar praticamente dividido na votação que, na quarta-feira, deve decidir pela perda do mandato dos deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT).
Até a sessão de ontem, o placar mostrava um empate de quatro a quatro. Falta o voto do ministro Celso de Mello, que ele mesmo sinalizou deve ser pela cassação dos mandatos e será proferida na próxima sessão.
Decisão que deve gerar uma crise entre os dois Poderes --Legislativo e Judiciário. O fato é que corremos o risco de a Câmara dos Deputados não acatar a decisão do Supremo. Seria algo grave. Mas não de todo improvável.
Afinal, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), faz questão de dizer e repetir a todo momento que uma decisão do STF contrária a seu entendimento, de que a cassação de mandatos cabe estritamente ao Congresso, vai gerar uma crise entre Legislativo e Judiciário.
Creio que o problema está de fato na Constituição. Se ela realmente diz que cabe ao Congresso decidir pela cassação de mandatos de deputados e senadores, em outros pontos destaca que um parlamentar, ao perder seus direitos políticos, deixa de cumprir as exigências para o exercício do seu mandato.
O ideal seria mesmo mudar a Constituição, deixando claro que um congressista, perdendo seus direitos políticos, deve também perder automaticamente seu mandato. Agora, a possibilidade de isso ocorrer é zero. Em outras palavras, teremos uma crise pela frente, que vai esquentar os ambientes tanto no Supremo como no Congresso. Mas cujo fato consumado ainda vai demorar um bocado, porque o Congresso teria de cumprir a decisão do Supremo apenas depois de concluídas todas as fases do julgamento, como a publicação dos acórdãos e superada a fase dos recursos. Algo que pode consumir até um ano.
Até lá, o debate vai estar no ar, mas não haverá enfrentamento de fato entre os dois Poderes. Talvez seja o tempo suficiente para que prevaleça o bom senso e a Câmara cumpra a decisão do STF. A conferir. Mas que o melhor caminho seria mudar a Constituição, isto seria. Seria. Agora, corremos o sério risco de, como sempre, prevalecer o corporativismo e ser feita uma mudança protegendo ainda mais os congressistas.
Fonte: Folha de S. Paulo
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