Com Mercadante, o Gabinete Civil recupera o papel político, e o governo volta a ter um homem forte e um anteparo político que tem feito falta a Dilma
A transferência do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, para o Gabinete Civil é a mexida mais relevante feita pela presidente Dilma em seu governo, depois da saída de Antonio Palocci, que ficou apenas cinco meses no cargo. Ao substituí-lo por Gleisi Hoffmann, prestativa, mas quase anódina, Dilma optou pela paisagem da palmeira solitária no gramado palaciano: ela, altaneira, cercada de espécies menores. Com Mercadante no Gabinete Civil, Dilma voltará a ter um homem forte no Planalto, e talvez até um candidato à própria sucessão, caso seja reeleita e ele seja bem-sucedido no cargo.
Tal como Fernando Henrique, que teve na Casa Civil uma figura forte como Clovis Carvalho (seguido de uma discreta mas sólida, como Pedro Parente), Lula não hesitou em ter no posto o então líder mais importante do PT, José Dirceu. E depois a própria Dilma, já conhecida pelo temperamento vulcânico. Ela, já presidente, nos poucos meses que teve Palocci no Planalto, teria se incomodado com a preferência de políticos e empresários pela interlocução com ele, o que gerou especulações de que não teria se empenhado muito para salvá-lo na crise das consultorias mal explicadas. Trocou-o pela leal, mas quase apagada Gleisi, afastando qualquer sombra a sua própria figura.
A presença de Mercadante no Gabinete Civil vai alterar bastante a fisionomia do governo. Para começar, a pasta deixará de ser um filtro administrativo burocrático do governo para recuperar seu histórico papel político, propiciando a Dilma um anteparo que lhe falta nesta área. Resta saber se as atribuições administrativas serão todas transferidas para o ministro Gilberto Carvalho na Secretaria-Geral da Presidência, onde também permaneceria, num eventual segundo mandato.
As questões subjetivas terão seu peso. Mercadante é uma personalidade forte e expansiva, rivalizando com a da presidente em voluntarismo. É conhecido por qualidades como a solidez intelectual, a aplicação e a disciplina no trabalho, a combinação entre conhecimento técnico e faro político. E também por traços que desagradam a alguns, como a franqueza e a autossuficiência. Hoje, ele já é a figura mais forte do governo, mas não convive o tempo todo com a presidente. Ele fica no MEC, não no Palácio. Como nos casamentos, tal compartilhamento de poder será testado no cotidiano, que começará em breve.
As barbas de Lula
Mercadante hoje não gravita na esfera lulista, mas tornou-se o quadro petista mais apreciado e respeitado por Dilma. Lula avalizou a troca, mas o fato de ter se reunido ontem com a presidente para discutir, entre outros temas, a reforma ministerial, reitera o que todos sabem: ele continua exercendo forte ascendência sobre ela e seu governo. Pelo menos um novo ministro já teria sido escalado por ele, o sucessor de Padilha na Saúde. Todas as suas sugestões para a campanha têm sido encampadas por ela, inclusive a de agregar o ex-ministro Franklin Martins, que o acompanhou na reunião de ontem e cuidará da campanha na internet e mídias sociais.
Lula reapareceu ontem com a velha e conhecida barba, embora mais rala e branca, por força da idade e da quimioterapia por que passou. Ele começou a deixá-la crescer pouco antes do Natal, e, segundo auxiliares, ri quando falam que isso pode reforçar o “volta, Lula”. Segue dizendo que a candidata é Dilma, fará tudo por ela, mas não vai privar-se do reencontro com a autoimagem.
Gesto e mensagem
Há uma mensagem para o Supremo e forças conexas no êxito da campanha de arrecadação da família do ex-deputado José Genoino. Em uma semana ou pouco mais, as doações superaram os R$ 667,5 mil que ele foi condenado a pagar. Os que doaram certamente respeitam e cultuam a aura de Genoino, sua vida dedicada às causas que o guiaram da infância pobre à presidência do PT, passando pela guerrilha, a tortura e os cinco anos de prisão na ditadura. Mas elas externaram também, com as doações, discordância com a forma e o peso das condenações dos réus do mensalão.
Algumas coisas, por sinal, podem acontecer no STF, na presidência interina do ministro Ricardo Lewandowski. Ele só assinaria a ordem de prisão de João Paulo Cunha se mandasse prender também Roberto Jefferson. Não deve fazer uma coisa nem outra, mas pode pedir que seja examinado o pedido de José Dirceu para trabalhar com o advogado Gerardo Grossi e até reexaminar o pedido de Genoino para cumprir a prisão domiciliar em sua casa de São Paulo. Ele só foi para uma casa alugada em Brasília porque Barbosa o obrigou a ficar na capital, onde deixou de morar quando renunciou ao mandato.
Ventos latinos
No Brasil, estamos mais atentos à posse de Michele Bachelet na presidência do Chile, em 11 de março, por conta da proximidade dos laços afetivos regionais. Mas, este ano, o rodízio do poder na América Latina alcançará sete países, sem contar a eleição brasileira do fim do ano, cujo vencedor só será empossado em 1º de janeiro de 2015. A dança do poder começa agora em fevereiro, na Costa Rica e em Salvador. Em maio, as trocas serão no Panamá e na Colômbia e, em outubro, na Bolívia e no Uruguai. Em que pese o enfraquecimento do chavismo na Venezuela e a provável reeleição do liberal-conservador Juan Manuel Santos na Colômbia, as pesquisas, hoje, favorecem a esquerda, o bloco reformista que vai de Evo Morales (que busca o terceiro mandato) a Dilma Rousseff (por ora ainda favorita), passando por José Mujica no Uruguai, que pode ser sucedido pelo antecessor Tabaré Vasquez.
Fonte: Correio Braziliense
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