Declaração de defensora do povo sobre tortura desperta ira de opositores
Capriles lidera manifestação contra escassez: ‘Repressão não vai acabar com mal-estar social’, diz opositor
O Globo, com agências
CARACAS — Em mais um dia de manifestações contra o governo de Nicolás Maduro, as autoridades da Venezuela anunciaram neste sábado que pelo menos 21 pessoas morreram em incidentes violentos ocorridos durante protestos organizados entre os dias 12 e 26 de fevereiro. Quatro delas foram atribuídas a integrantes das forças de segurança e, segundo o governo, alguns dos suspeitos já estão presos. A divulgação do número fez parte de um relatório preliminar da Defensoria do Povo — órgão de fiscalização da atuação do poder público e cujas atribuições, no Brasil, seriam da alçada do Ministério Público.
A defensora do povo, Gabriela Ramírez, causou polêmica durante o anúncio do balanço ao diferenciar as denúncias de tortura cometida por agentes do Estado das demais agressões perpetradas por integrantes de forças de segurança. Muitos opositores entenderam que Gabriela tentou justificar o uso da tortura, o que ela negou.
— Temos 44 denúncias sobre o direito à integridade física (...). Bom, sobre tortura, fui clara. Recebemos este material da Foro Penal (ONG local que monitora abusos na repressão), vou levar à comissão de tortura para uma análise porque, por exemplo, se jovens são presos e uma pessoa é agredida... A tortura tem um sentido, por isso nós temos que ser muito rigorosos com o uso dos termos — disse a defensora. — Na tortura se inflige sofrimento físico a alguém para obter uma confissão. Temos que diferenciar isso de um tratamento excessivo ou do uso desproporcional da força. Sobre a base de tortura ou de tratamento cruel (...) se estabelece a pena e a proporcionalidade da punição.
Pouco depois do pronunciamento, o vídeo com o trecho sobre tortura já tomava as redes sociais na Venezuela, divulgado de forma indignada por militantes antichavistas e políticos da oposição. O prefeito da região metropolitana de Caracas, Antonio Ledezma, e o deputado Julio Borges pediram a renúncia da defensora do povo. O governador do estado de Miranda, Henrique Capriles, um dos líderes da oposição, também divulgou o vídeo em sua conta no Twitter e pediu que seus seguidores o passassem adiante. Também via Twitter, Gabriela Ramírez se defendeu:
“Para quem crê em tudo o que lê: a tortura é o ato mais abominável em que um fardado pode incorrer! A Venezuela pune os torturadores com penas de 25 a 30 anos. É vital distinguir tortura de tratamentos cruéis para impor penas justas”, publicou.
Segundo Gabriela, a Defensoria do Povo agiu em 600 casos de violência em manifestações com visitas a hospitais, prisões e tribunais. De acordo com a defensora, pelo menos dez das 21 mortes tiveram relação com a montagem de barricadas, comuns em protestos de estudantes opositores, seja por acidentes, seja por “violência deliberada” nos locais onde foram montadas.
Na sexta-feira, a ONG Foro Penal entregou a autoridades venezuelanas um relatório sobre violações de direitos humanos na repressão aos protestos, com denúncias de assassinato, tortura e prisões arbitrárias, entre outros abusos. Segundo dados disponíveis no site da organização, 1.224 pessoas foram detidas em manifestações desde o dia 2 de fevereiro, sendo que 41 continuam na prisão.
A violência na repressão às manifestações tem sido uma das principais reclamações da oposição desde o início da atual onda de protestos contra o governo chavista, surgida há cerca de um mês. Os manifestantes reclamam dos altos índices de criminalidade, inflação e escassez de produtos básicos como leite e derivados, frango e papel higiênico, entre outros.
Neste sábado, Caracas foi palco de um protesto contra a falta de mercadorias liderado por Henrique Capriles, num desafio à administração local, chavista, que não deu autorização para a marcha. De panelas em punho e com cartazes dizendo “não tem, não tem, não tem... até quando?”, os manifestantes tinham como objetivo caminhar até a sede do Ministério da Alimentação, mas foram barrados pela polícia e por militares. Protestos similares foram registrados em outras oito cidades venezuelanas.
— A repressão não vai acabar com o mal-estar social — disse Capriles. — Nicolás tem medo das panelas vazias de nosso povo. Manda centenas de militares contra panelas vazias.
Alguns militantes da oposição, como Zoraida Carrillo, uma aposentada de 50 anos, não demonstraram estar intimidados pela presença de policiais.
— Não vamos sair da rua até que o governo reaja. Somos a pedra no sapato deste governo — disse.
Por sua vez, o governo convocou uma concentração na Praça Bolívar, no Centro de Caracas, para comemorar o Dia Internacional da Mulher. A presença do presidente Maduro e de outras autoridades do governo era aguardada na noite de ontem.
Fonte: O Globo
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