A discussão sobre o aparelhamento do Supremo Tribunal Federal pelo PT, que veio à tona na votação sobre formação de quadrilha na retomada do julgamento do mensalão, me parece muito mais uma tentativa de bloquear uma manobra nesse sentido do que o reflexo de um fato consumado.
É verdade que houve claras ações da defesa com a intenção de atrasar o julgamento na primeira fase, que contaram com o apoio do ministro Ricardo Lewandowski, mas elas tinham a intenção de impedir que os ministros Ayres Britto e Cezar Peluso participassem dele integralmente, e não de abrir vagas para substituí-los no julgamento.
Foram parcialmente vitoriosas, pois Britto não participou da dosimetria e Cezar Peluso não votou na maior parte do processo, e os principais réus do mensalão foram julgados por dez integrantes do Supremo Tribunal Federal.
Porém, nunca é demais lembrar que os dois ministros indicados por Dilma em seus lugares só votaram porque o plenário acatou a tese da existência dos embargos infringentes com o voto de desempate do decano Celso de Mello, um dos juízes mais duros contra os mensaleiros durante o julgamento.
Como já escrevi antes, não creio que os dois novos ministros indicados pela presidente Dilma tivessem algum tipo de compromisso com o governo ou com o PT, votaram contra a formação de quadrilha por terem esse ponto de vista muito antes de se verem no julgamento do mensalão.
Luis Roberto Barroso escrevera o hoje famoso artigo sobre o ponto fora da curva, revelando o que pensava do julgamento. Conheço-o há muito tempo e sempre que conversamos sobre o mensalão, antes de ser indicado para o STF, ele deixou clara sua posição: achava que eu estava sendo muito duro na análise do caso, dizia que não havia nada nos autos que condenasse José Dirceu.
Já Teori Zavascki, em 2010, no julgamento de um conselheiro do Tribunal de Contas do Paraná acusado de corrupção, defendeu que “o cometimento de crimes, ainda que por mais de três pessoas, não significa que tenha sido mediante formação de quadrilha". Ele criticou na ocasião a “banalização” da figura penal do crime de quadrilha, argumentando que, em alguns casos, o correto seria o enquadramento por coautoria, como fez agora no mensalão.
O próprio ministro Ricardo Lewandowski, que, no papel de revisor do processo, atuou de maneira a ser o contraponto do relator Joaquim Barbosa, é um professor da USP e tem todos os títulos para estar no STF. Na minha opinião, pode ser considerada aparelhamento, sim, a indicação do ministro Dias Toffoli, que fez toda sua carreira jurídica à sombra do PT e não tem uma história que lhe garantisse um lugar por mérito no plenário do STF. No mínimo, deveria ter se considerado impedido de atuar no julgamento.
Em 2000, quando o Supremo americano mandou o estado da Flórida encerrar a recontagem da votação para presidente, dando a vitória para George W. Bush, que, assim, venceu no colégio eleitoral, dois juízes da Corte Suprema deveriam ter se considerado impedidos, pois seus filhos estavam envolvidos no caso, um na banca de advocacia defendendo Bush e outro defendendo Al Gore.
Nomeações semelhantes acontecem também na Suprema Corte dos Estados Unidos, mas lá o Congresso, sempre equilibrado entre os partidos Republicano e Democrata, é mais severo ao aprovar as indicações: o ex-presidente George W. Bush não conseguiu emplacar sua advogada, que renunciou antes de se submeter à sabatina, diante da reação negativa que sua indicação suscitou.
Lindon B. Johnson nomeou seu advogado pessoal, Abe Fortas, e, depois, tentou fazê-lo presidente da Corte — lá é o presidente dos Estados Unidos quem nomeia o presidente da Suprema Corte, função vitalícia —, mas o Senado não aceitou, e Fortas renunciou.
Diego Werneck Arguelhes, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e especialista em Judiciário americano, ressalta que quem indica um ministro para o STF — e quem aprova a indicação — não está colocando ali uma máquina de julgar. “A indicação é sempre um ato de escolha e, portanto, de relativa liberdade. Na democracia, é importante que todas as escolhas fundamentais feitas no âmbito do Estado, em qualquer dos poderes, prestem contas à soberania popular”.
É justamente por isso, analisa, que um tribunal superior preenchido por “concurso público", por critérios exclusivamente técnicos, é um devaneio antidemocrático: “Seria como exigir concurso público para presidente da República”.
Em linhas gerais, diz Arguelhes, esse sistema é deliberadamente desenhado de modo a permitir que, em última instância, vitórias nas urnas tragam consigo mais oportunidades de indicações para a Suprema Corte.
Fonte: O Globo
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