Segundo Pereira, problema está no jeito como Dilma trata aliados; para ele, partidos como o PMDB deveriam ter mais espaço
Isadora Peron
O professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV Carlos Pereira é voz dissonante ao analisar a política brasileira. Para ele, o modelo de presidencialismo de coalizão adotado no País pós-democratização deu certo. E se Dilma Rousseff enfrenta sérios problemas na base aliada, em especial com seu principal parceiro, o PMDB, é porque não sabe dividir adequadamente o poder.
Para o professor, as siglas que dão sustentação ao Planalto estão sub-representadas no ministério. Coautor do livro Making Brazil Work - Checking the president in a multiparty system, Pereira conta que o estudo teve como objetivo se contrapor à visão dominante, que caracteriza como caótica a combinação entre sistema presidencial e fragmentação partidária.
Apesar das críticas ao atual sistema político brasileiro, o sr. defende que o presidencialismo multipartidário deu certo. Em que se baseia sua argumentação?
A interpretação dominante sobre fragmentação partidária é muito crítica, negativa. E, de certa forma, ela tem razão de ser. O que eu tento argumentar no livro é que, apesar de existirem certos problemas, há o outro lado da moeda, existem aspectos positivos que normalmente a opinião pública e muitos autores não levam em conta.
Quais aspectos?
A combinação do multipartidarismo com um presidente forte, aliado a várias estruturas de controle, que são capazes de dizer não a esse presidente, gerou condições para o funcionamento desse modelo institucional. O jogo se tornou previsível. O calendário eleitoral é respeitado. Você tem perdedores que se submetem aos resultados. Não há virada de mesa.
Esse sistema não dá muitos poderes ao presidente?
Hoje, o Legislativo tem instrumentos eficientes para constranger o presidente. Nós temos também um Judiciário independente, que tem sido capaz de estabelecer limites, haja vista o julgamento do mensalão. Esse caso é um exemplo claro de como as instituições de controle no Brasil estão funcionando de maneira adequada. O Brasil é o único país no mundo que conseguiu impor perdas judiciais a uma elite política, no caso o PT, ao mesmo tempo em que esse partido ainda estava no poder. Em nenhum outro lugar isso aconteceu.
Se o presidencialismo de coalizão deu certo, por que Dilma enfrenta tantas dificuldades?
A Dilma é uma má gerente. O PT, na verdade, tem sido um péssimo gerente da sua coalizão. Ele tem construído coalizões pós-eleitorais muito amplas, com muitos partidos, muito heterogêneos do ponto de vista ideológico, e, ao mesmo tempo, tem preferido concentrar poder no próprio PT. Eu argumento no livro que, quanto maior for a coalizão, quanto mais diversa ideologicamente ela é e quanto menos poder é compartilhado, mais dificuldade de gerir a coalizão o presidente vai ter.
É isso o que acontece hoje?
Sim. A presidente trata mal seus parceiros, não leva em consideração seus pesos políticos no Congresso, privilegia fundamentalmente seu próprio partido. Isso incentiva defecções. Se o PSB (do governador de Pernambuco e pré-candidato à Presidência da República, Eduardo Campos) tivesse sido melhor tratado, optaria por uma estratégia mais conservadora e de maior alinhamento com o governo do PT. A sucessão de maus tratos, no cálculo do PSB, fez com que ele pensasse que talvez valesse a pena correr o risco de jogar o jogo da oposição nestas eleições.
O que o sr. achou da formação do "blocão" no Congresso para pressionar a presidente?
É um movimento legítimo. Há uma janela de oportunidade. É ano eleitoral e Dilma precisa de apoio para viabilizar a reeleição. Os aliados veem nessa oportunidade uma chance de aumentarem seu quinhão de poder.
O que a presidente precisa fazer para reverter essa situação?
Para que o PT continue na Presidência é fundamental abrir mão do poder e compartilhá-lo com os seus aliados. Existe uma teoria, criada por William Gamson, que virou uma lei na montagem das coalizões. Ela defende a perfeita proporcionalidade do peso político da sigla no Congresso e o peso político dentro do governo. E, dado que essa lei não é seguida pelos governos do PT, é normal que desbalanços surjam.
Quais partidos deveriam ter mais ministérios no governo?
Todos os parceiros do PT são sub-representados hoje. O único partido sobre-recompensado é o PT. Isso acontece porque o PT é um partido muito plural, que tem muitas facções internas, e é difícil você acomodar todas essas correntes. Então, é mais fácil para o PT ser desproporcional com aliados externos do que com internos. Por isso, o partido tentou identificar formas heterodoxas de recompensas. Para mim, o esquema do mensalão foi isso: uma forma alternativa de recompensa de aliados externos.
Essa rebeldia dos aliados pode prejudicar Dilma nas eleições?
Acredito que sim. Ao não comprometer parceiros agora, Dilma pode ter de pagar um preço maior depois, podendo, inclusive, colocar em risco a reeleição. Agora, ela tem uma janela de oportunidade gigantesca. Ela pode, por exemplo, dar mais poder ao PMDB e comprometer o partido até o pescoço. Num cenário de instabilidade econômica, onde ela provavelmente vai concorrer com adversários fortes, Dilma não pode sofrer oposição dos seus próprios aliados. A decisão mais correta seria abrir mão de poder agora para se garantir no poder amanhã.
Resumindo: é preciso deixar o PMDB mais contente?
Não é só o PMDB, mas todos os aliados. Todos estão sendo sub-recompensados. Governar em uma coalizão pressupõe levar em consideração o peso político dos aliados. Se não levar isso em conta, cria-se uma progressiva insatisfação na base.
Professor titular na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), pesquisador do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp) e coautor do livro Making Brazil Work: Checking the President in a Multiparty System.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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