A ideia de que tudo se resolve com palanque duplo é mais ou menos um "venha a nós, ao vosso reino nada". O hegemonismo petista avança para cima do PMDB na disputa dos governos estaduais e pelos comandos da Câmara e do Senado
Foi preciso a intervenção do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na reunião de coordenação de campanha da Quarta-Feira de Cinzas, para cair a ficha de que a ex-presidente Dilma Rousseff corre mesmo o risco de perder o apoio do PMDB à reeleição caso não chegue a um acordo com o partido na reforma ministerial. Acordo que estanque a crise com o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), e mantenha longe da confusão o líder no Senado, Eunício de Oliveira (CE).
Até agora, os interlocutores de Dilma com os aliados comportaram-se como macacos em casa de louças nas negociações. O presidente do PT, Rui Falcão, ao passar pelo Sambódromo do Rio, arrumou uma tremenda confusão com dois caciques locais do PMDB — o ex-deputado Jorge Picciani, que preside a legenda no estado, e o própeio Eduardo Cunha. Falcão repetiu um mantra muito ouvido no Palácio do Planalto: o PMDB faz chantagem para obter mais cargos, referindo-se à rebelião dos peemedebistas na Câmara.
A frase tem muito de verdade, mas não resume a ópera. Há mais do que isso em jogo. O tom da resposta dos dois caciques peemedebistas foi reflexo disso. Picciani, que já defende abertamente o apoio de sua legenda ao tucano Aécio Neves, chamou Falcão de vagabundo. Cunha ameaçou convocar uma convenção nacional extraordinária do PMDB para rediscutir o apoio à reeleição da presidente Dilma Rousseff. Na verdade, a aliança sofre muitas fraturas nos estados.
Forças centrífugas
Para convocar uma convenção extraordinária basta o apoio de nove diretórios. Cunha já conta com isso: desde a semana passada, o deputado Danilo Fortes (PMDB-CE) recolhe assinaturas a favor da convocação do encontro para abril. Começou a fazê-lo depois da desastrada reunião do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, com os líderes aliados, na qual disse que Dilma Rousseff se reelegeria no primeiro turno e que os deputados da base precisavam mais dela do que ela deles. Esqueceu-se de levar em conta que o tempo de televisão de Dilma, capaz de desequilibrar a disputa com a oposição, depende da coligação formal com o PMDB, e que o vice Michel Temer, principal interessado na coligação, não é o dono do partido. Está sendo desgastado pelos rumos da negociação e pode ficar pendurado no pincel.
Apenas cinco diretórios do PMDB fecharam alianças nos estados com o PT até agora: Distrito Federal, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Sergipe. Têm 103 delegados (13,8%) do total de 742 da convenção nacional do PMDB, marcada para junho. São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Goiás, Mato Grosso do Sul, Roraima, Rondônia, Acre, Amazonas e Pará — que somam 489 (65,9%) dos delegados — veem a disputa contra o PT praticamente consolidada. Com 150 delegados (6,5%), estão indefinidos Paraná, Espírito Santo, Alagoas, Tocantins e Amapá. Nesse cenário, todo cuidado é pouco. Os conflitos nos estados atuam como forças centrífugas que ameaçam a coligação, apesar da participação do PMDB no governo, que atua como força de atração.
A ideia de que tudo se resolve com palanque duplo é mais ou menos um “venha a nós, ao vosso reino nada”. O hegemonismo petista avança para cima do PMDB na disputa dos governos estaduais e pelos comandos da Câmara e do Senado. Além disso, o discurso de que o PMDB faz chantagem acabará sendo desgastante para o próprio PT, se recuar para manter a aliança. E se não a mantiver? Ora, se isso acontecer, quem também vai dançar da cabeça da coligação é a presidente Dilma Rousseff, junto com Michel Temer, porque o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sem o tempo de televisão do PMDB, não quererão correr o risco de entregar o poder à oposição numa bandeja. Ou seja, Dilma leva água para o moinho do “Volta, Lula!”.
Fonte: Correio Braziliense - 07/03/2014
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