Aumentos variam de 11% a 29%
Mônica Tavares, Glauce Cavalcanti e Nice de Paula - O Globo
BRASÍLIA e RIO - A conta de luz de cerca de 24 milhões de unidades consumidoras de nove distribuidoras do Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste ficará mais cara a partir deste mês. Os aumentos variam de 11,16% a 28,99% para residências e foram fortemente influenciados pelo alto custo da compra de energia, devido ao uso das térmicas e aos preços do mercado de curto prazo.
Para as indústrias, a conta sairá ainda mais salgada. A gaúcha Uhenpal (Usina Hidrelétrica Nova Palma Ltda.), por exemplo, foi autorizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a elevar a tarifa da indústria em 35,7% a partir de 19 de abril. A conta dos consumidores residenciais ficará 22% maior. A empresa fornece energia para 15 mil unidades consumidoras de sete cidades do estado.
O custo da energia comprada pelas distribuidoras aumentou substancialmente em razão de três fatores: o uso das usinas térmicas (mais caras), que começou no ano passado, para compensar a escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas, a falta de contratos de longo prazo — que forçou as empresas a buscar energia no mercado livre — e assinatura de novos contratos de longo prazo já com preços mais altos.
No Nordeste, os aumentos das quatro distribuidoras — Coelba (BA), Coelce (CE), Energisa (SE) e Cosern (RN) — começam a vigorar no próximo dia 22. Elas fornecem energia para cerca de 10 milhões de consumidores. A tarifa de energia cobrada pela Coelba (BA) subirá 15% para as residências, enquanto para a indústria a alta será de 16,04%. A Coelba, que tem um faturamento anual de R$ 4,2 bilhões, solicitou um aumento a agência de 18,12%.
Com a escalada dos preços da energia, a indústria passou a pagar a 10ª tarifa mais cara, num ranking de 28 países elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). O custo do MWh no país já chega a R$ 301,66. A Índia tem a energia mais cara da lista, a R$ 630,92. Mas o custo no Brasil supera em larga escala o da China (R$ 201,48) e da Rússia (R$ 150,35).
Os reajustes em série de distribuidoras — anunciados a partir do dia 8 de abril — recaem principalmente sobre indústrias eletrointensivas, como siderúrgicas e de alumínio, mas terão impacto também no comportamento dos preços. O economista Eduardo Velho, da INVX Global Partners, estima que os reajustes devem representar ao menos 0,28 ponto percentual na inflação deste ano.
Segundo Velho, ainda há incerteza quanto à intensidade do uso de energia térmica, mais cara, o que pode repercutir nas tarifas. O impacto a mais sobre os índices de preços ocorre no momento em que as projeções do mercado estão muito próximas do teto da meta de inflação do ano, de 6,5%.
— Na indústria de alumínio, a energia representa 42% do custo de produção. Mas o impacto desse aumento de tarifa vai depender do segmento em que cada indústria atua. Se a empresa está num mercado muito competitivo, terá que segurar o repasse de custos. Para fazer isso, pode precisar realizar cortes em outras áreas — destaca Tatiana Lauria, especialista em competitividade de indústria e investimentos do Sistema Firjan.
Estímulo ao consumo
Embora seja difícil mensurar o reflexo do aumento do custo médio da tarifa elétrica para a indústria, o insumo está entre os gastos mais relevantes para o setor, diz Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil.
— O custo da energia já é um fator restritivo à competitividade. É evidente que, com o aumento, o efeito será de piora. A redução da tarifa, anunciada ano passado, não beneficiou a indústria do aço. As usinas atuam no mercado livre, onde a queda foi pequena —diz Lopes.
O problema, segundo a especialista da Firjan é estrutural, refletindo a política energética do país, a despeito dos investimentos em projetos de usinas hidrelétricas.
— Mudar o foco de hidrelétricas com reservatórios para as usinas a fio d’água, por exemplo, exige maior uso de térmicas. É uma escolha para reduzir impacto ambiental. Mas tudo tem um preço. E o governo precisa deixar isso claro, explicitando como vamos usar a energia gerada e a que preço — diz.
Para Cláudio Frischtak, presidente da Inter. B Consultoria Internacional de Negócios, a indústria e o consumidor residencial foram levados a investir num padrão de consumo de quando o país vivia outra situação.
Segundo ele, o cenário de energia abundante baseado no modelo hídrico não condiz mais com a realidade porque o custo da distribuição é elevado. Além disso, exigências ambientais e sociais em áreas próximas a novas hidrelétricas, substituição de reservatórios por usinas a fio d’água e aumento nos prazos das obras encareceram a expansão do sistema.
Além da mudança de cenário, Frischtak ressalta que a entrada de milhões de brasileiros no mercado consumidor nos últimos anos foi acompanhada da compra de um grande número de eletrodomésticos, como televisores, geladeiras, aparelhos de ar-condicionado que fizeram o consumo crescer sem um avanço equivalente no crescimento da energia.
— O governo errou feio e essa barbeiragem está custando bilhões de reais. Só estão autorizando os reajustes agora, porque as contas públicas chegaram ao limite. Um grande equívoco foi a presidente ir para a televisão dizer: vamos baixar o custo da energia para todo mundo. Foi o mesmo que falar “consumam”. As pessoas responderam e passaram a gastar energia a rodo. E para piorar, foi um ano de verão muito quente, o que aumenta o consumo de energia e acelera a evaporação da água — diz o economista.
Rio tem a 4ª energia mais cara
Estimativas da Inter. B mostram que se, em janeiro, quando o governo percebeu que haveria problemas com os reservatórios, tivesse sido feito uma campanha para a população reduzir consumo de energia em 10%, a crise atual teria proporções bem menores.
Afonso Henriques Moreira Santos, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), também chama atenção para o fato de o governo federal não ter investido em campanha pelo uso racional de energia no país. Para ele, a redução da tarifa de energia como estratégia para elevar a competitividade da indústria resultou em crise no setor elétrico.
— Foi um grande erro em política energética. Só há avanço em competitividade com expansão da produtividade industrial. Vantagens competitivas artificiais não garantem aumento de produção. Teria sido preciso pedir ganho de eficiência, investimento em automação. Países altamente produtivos, como Japão e Chile, importam gás natural liquefeito, que é muito caro. E são muito competitivos — argumenta ele.
O custo de energia no Rio de Janeiro e em São Paulo, segundo a Firjan, também fez os dois polos industriais avançarem no ranking dos estados onde a energia é mais cara. A lista tem Mato Grosso em primeiro lugar, com preço do MWh em R$ 424,27. O Rio passou da 6ª para a 4ª colocação, após reajuste da Ampla, totalizando R$ 368,94/MWh. Já São Paulo, avançou três posições, ficando em 15º lugar, com tarifa de R$ 285,34/MWh.
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