Correio Braziliense
Apontado como o responsável pelo "parecer falho" que fundamentou a decisão da presidente Dilma Rousseff na compra da Refinaria de Pasadena, no Texas, em 2006, quando ela presidia o Conselho de Administração da Petrobras, o ex-diretor da Área Internacional da estatal Nestor Cerveró minimizou ontem a importância das cláusulas put option e marlim, omitidas no resumo. Em cinco horas de depoimento na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, Cerveró tentou clarear as sombras acerca da aquisição que causou prejuízos à empresa brasileira.
"As cláusulas não têm representatividade no negócio, não eram importantes do ponto de vista negocial e da valorização do negócio", enfatizou Cerveró, logo na primeira resposta aos deputados. O ex-diretor considerou comuns no mercado econômico a put option e a marlim (cláusulas que obrigam uma das partes a comprar a outra em caso de desacordo entre sócios) e reforçou que estão presentes na maioria dos contratos da estatal. Em seguida, Cerveró confirmou que os dois itens não constavam no resumo executivo de uma página e meia enviado ao Conselho de Administração da Petrobras, em 2006.
O depoimento do ex-diretor — que segue a mesma linha das explicações prestadas pelo ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli na Casa — contradiz o posicionamento da presidente Dilma Rousseff. Ao jornal Estado de S.Paulo, Dilma reconheceu ter se baseado em "resumo técnico e juridicamente falho, pois omitia qualquer referência às cláusulas marlim e put option que integravam o contrato e que, se conhecidas, seguramente não seriam aprovadas pelo conselho", disse, em março, por meio de nota.
Cerveró rebateu a declaração e disse que encaminhou ao conselho toda a "documentação necessária" para embasar a compra da refinaria. Nessa documentação, estariam incluídas as duas cláusulas contratuais. Ele disse não se lembrar, porém, se ela chegou a tomar conhecimento dos pontos. "É praxe que toda documentação seja encaminhada ao conselho, mas isso cabe à diretoria, não a mim." Dez dias depois da resposta de Dilma, Cerveró foi demitido da direção da BR Distribuidora.
"De forma nenhuma (eu enganei Dilma). Apresentei um trabalho desenvolvido ao longo de mais de um ano para essa refinaria. Não houve nenhuma intenção de enganar ninguém. Não há nenhum sentido de enganar a ninguém. A posição (sobre a compra) não é só minha, é da diretoria, e o conselho aprovou esse projeto. Não existem decisões individuais nem na diretoria nem no conselho. Foi tudo baseado em uma série de consultorias e trabalhos técnicos ao longo de mais de um ano", disse Cerveró no depoimento.
As explicações na Câmara não foram suficientes para arrefecer os ânimos dos deputados da oposição por instalar uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investigue as contradições dessa compra. Insatisfeita, a oposição pressionou por uma "verdade", considerando os desencontros entre os depoimentos de Cerveró e da presidente da Petrobras, Graças Foster, ouvida na terça-feira, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Graça Foster alegou que a compra foi um "mau negócio".
"Faria de novo"
Mas Cerveró rebateu que "o faria de novo caso estivesse nas mesmas condições". "Não posso aceitar que o projeto foi malfadado, porque ele não foi completado. A rentabilidade desse projeto só se daria no momento em que ele se concluísse. Estamos fazendo uma análise posterior e uma série de eventos que modificam completamente o cenário", disse. "Se as condições se repetissem, eu faria (o negócio) de novo".
Para o líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE), as contradições reforçam a necessidade de apurar o caso Pasadena. "As verdades são contraditórias. Há uma versão dada pela presidente Dilma e outra pelo ex-diretor Cerveró. Uma das duas tem de ser verdade, um dos dois tem de estar mentindo", disse. Ontem, os deputados também decidiram fazer um requerimento para convocar o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, para prestar esclarecimentos na comissão.
Justificativas
Veja as principais respostas de Nestor Cerveró sobre a compra da Refinaria de Pasadena
Dilma
» "Não posso desmentir (a presidente Dilma Rousseff). Não é questão de desmentir ou confirmar a presidente Dilma. O conjunto dos documentos estavam lá. Hoje, eu tenho informação de um projeto que não foi realizado, mas, naquele momento, eu não tinha todas essas condições. Se as condições se repetissem, eu faria (o negócio) de novo"
Conselho de Administração
» "Encaminhamos a documentação necessária para o conselho aprovar, e o conselho aprovou. Estamos falando de um resumo executivo de uma página e meia. O contrato em si tem 700 páginas. O projeto aprovado pela diretoria, quando demandado, é encaminhado normalmente para o conselho"
Cláusulas polêmicas
» "Ficou demonstrado que as cláusulas (put option e marlim) não são lesivas à companhia. A posição (da compra) não é só minha. Não existem decisões individuais, nem na diretoria nem no conselho. Foi tudo baseado em uma séria de consultorias ao longo mais de um ano"
Rentabilidade
» "Não posso aceitar que o projeto foi malfadado, porque ele não foi completado. A rentabilidade desse projeto só se daria no momento em que ele se concluísse. Estamos fazendo uma análise posterior e uma série de eventos que modificam completamente o cenário"
BR Distribuidora
» "Não fui rebaixado, fui substituído. Isso é comum na Petrobras. A BR é a segunda empresa em faturamento deste país. Fui diretor financeiro durante seis anos. Tive a satisfação de ver a BR dobrar (faturamento). Este ano, a BR atingiu lucro de US$ 1 bilhão. Por que me sentiria desprestigiado ocupando a diretoria da BR?"
NYT destaca escândalos
Reportagem publicada na edição de ontem do jornal norte-americano The New York Times diz que a Petrobras, que chegou a representar o acelerado desenvolvimento do Brasil, hoje é símbolo de "estagnação", refletindo as "fraquezas da economia" brasileira. O NYT afirma que a estatal perde credibilidade e tem a imagem "afetada por escândalos", como a compra da Refinaria de Pasadena e a prisão do ex-diretor Paulo Roberto Costa.
"Há uma versão dada pela presidente Dilma e outra pelo ex-diretor Cerveró. Um dos dois tem de estar mentindo"
Mendonça Filho, líder do DEM na Câmara
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