quinta-feira, 17 de abril de 2014

João Bosco Rabello: Danos políticos são irreversíveis e contínuos

- O Estado de S. Paulo

Somados, os depoimentos do ex-diretor da área internacional da Petrobrás Nestor Cerveró e da presidente da estatal, Graça Foster, mantêm a contradição essencial que permeia a crise gerada pela compra da refinaria de Pasadena.

Graça confirmou a versão presidencial de que a sonegação de cláusulas estratégicas levaram à aprovação pelo Conselho de Administração do que ela considerou "um inquestionável mau negócio". Cerveró prefere chamar de "negócio inconcluso". Mas ambos admitem, cada um a seu modo, que houve prejuízo. Graça, de forma explícita, o quantifica: pouco mais de US$ 500 milhões. Cerveró fala em registro contábil usual.

Cerveró sustenta, porém, que a documentação a respeito da compra da refinaria - mais de 400 páginas - esteve sempre à disposição do Conselho de Administração, assim como o resumo do negócio, sendo este apenas uma opção que o conselho preferiu.

O depoimento de Cerveró é inconsistente em diversos pontos, ao contrário daquele prestado por Foster anteontem, caracterizado pela assertividade das informações, em que pese seu conteúdo devastador para a gestão anterior da empresa.

Cerveró atribui o fracasso do projeto de Pasadena à sua interrupção e, esta interrupção, a mudanças no mercado do petróleo. O que não o absolve nem à diretoria da empresa à época da compra. Afinal, para projetar cenários e riscos é que existem os estudos preliminares que orientam as decisões no ambiente de negócios.

Além de dizer que os documentos sempre estiveram à disposição do conselho, Cerveró minimiza as cláusulas de saída do negócio, e a Marlim, que garantia lucro da sócia mesmo na hipótese de prejuízo da refinaria.

A omissão de ambas ao conselho permanece como fato real, respaldando a versão da presidente Dilma para a sua chancela ao negócio. O que mantém a suspeita de condução política - e desleal -, do projeto pelos seus principais negociadores.

Se o objetivo da CPI proposta pela oposição no Congresso é desvendar esse ponto da questão - a prevalência de uma decisão política sobre a técnica em uma operação comercial que deu prejuízo à Petrobrás -, Foster e Cerveró a legitimam.

A partir daí, o raciocínio é lógico: se foi motivação política é possível que o projeto - e outros ainda não investigados - seja a ponta de um esquema de financiamento político com recursos públicos.

O depoimento de Foster não é importante pela avaliação de seu desempenho pessoal, mas pela clareza com que admitiu que a empresa errou, seu conselho foi induzido a fazer um mau negócio e que a responsabilidade é da diretoria anterior.

A síntese de seu depoimento indica um distanciamento entre Dilma e seu antecessor e padrinho, Lula, que gostaria de outra condução para o caso. A posição da presidente vincula a gestão do antecessor à criticada politização da Petrobrás.

Afinal, Sérgio Gabrielli, ex-presidente da empresa, era indicação de Lula, por ele foi sustentado, e, por efeito sequencial, Paulo Roberto Costa, preso pela Polícia Federal, exercia uma diretoria da Petrobrás.

Nada disso garante, no entanto, que haverá uma CPI, especialmente nos termos exclusivos propostos pela oposição. Apesar disso, o dano político e eleitoral não só é irreversível como contínuo.

O esforço do governo é prejudicado pelo teor da missão que o desafia, a de controlar as informações sobre o episódio e seus desdobramentos na base aliada. Na era da informação, seu controle é impossível.

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