- O Estado de S. Paulo
Arrumando meus papéis, encontrei transcrições completas dos debates em rede nacional da campanha presidencial de 2010. De forma um tanto masoquista, li todas elas e lembrei de um juízo que formei na época e disse a uma assessora: "Dilma Rousseff tem o dom de empregar o máximo de palavras para expressar o mínimo de pensamento (*). Mesmo assim, um mínimo errado".
Ao longo desses debates, eu tinha duas preocupações essenciais. A primeira, como é óbvio, perder no segundo turno, não tanto pelo desempenho de Dilma, mas pela avaliação do governo Lula: no período entre junho e setembro, mais de 75% das pessoas achavam o governo ótimo ou bom e 85% o aprovavam. As vendas a varejo cresciam a 11%, a massa real de rendimentos, 8%, e a supervalorização cambial chegava ao seu ponto máximo, subsidiando o consumo importado e o turismo no exterior - naquele ano, o dólar valeu em média R$ 1,7. Precisava mais?
A outra preocupação era com o futuro do Brasil em si, independentemente de minha participação no processo. Estava convencido de que o boom econômico capotaria logo, de que a herança de Lula seria bastante adversa e de que, se fosse eleita, Dilma Rousseff faria um governo atrapalhado e ruim, pisando no acelerador do atraso. Passara a campanha mostrando que não conhecia os problemas brasileiros e que não tinha nenhuma qualificação especial como administradora pública. Pelo contrário.
Uma coisa é fazer uma previsão pessimista, outra é vê-la se cumprir, ver a intuição virar razão: quando isso ocorre, não fico exatamente surpreso, mas sou tomado de certa estupefação.
A lei do máximo de palavras para um mínimo de conteúdo está acoplada a três "antileis" afins, a começar pela que estabeleceu que a menor distância entre dois pontos não é uma linha reta, mas alguma curva tridimensional e espiralada, teorema antieuclidiano que o governo Dilma segue à risca. Outra "antilei" sagrada tem origem na volta ao geocentrismo, ou seja, à ideia de que o sol e os planetas giram em torno da Terra, que é o centro do universo. A presidente Rousseff e o PT se comportam como se fossem o centro do universo brasileiro, em torno do qual tudo e todos têm de girar: o conhecimento, a moral, a ética, a Justiça, a imprensa e todos os políticos e seus respectivos partidos.
Por fim, adotaram a "antilei" que afeta o funcionamento da economia: a da inépcia inovadora, segundo a qual as facilidades não devem ser aproveitadas, mas tornadas em dificuldades. Por exemplo, se o modelo anterior de concessão na exploração de petróleo funcionava bem, para que aproveitá-lo no pré-sal? Não! Preferiu-se um novo método, que não traz mais dinheiro ao País e ao Fisco, mas colabora para quebrar a Petrobrás.
Houve bastante originalidade nos erros do governo Dilma, mas quase nada que não pudesse ter sido previsto em 2010, seja pelo que já estava se fazendo no governo Lula (com forte participação da então ministra), seja pelo que ela já anunciava na disputa eleitoral. Suas intervenções na campanha presidencial daquele ano preconizavam a conversão das quatro leis citadas em verdadeiro método de governo. Ilustro com dois exemplos eloquentes.
Volto aos meus papéis e vejo como é fácil banalizar com conversa mole e discursos balofos ações que dizem respeito à vida de milhões de pessoas. Afirmou, por exemplo, a então candidata petista: "No caso da segurança pública, nós iremos apostar nisso que está dando muito certo que são as Unidades de Polícia Pacificadora já implantadas no Rio de Janeiro". Ou ainda: "(Para combater o tráfico de drogas) compramos veículos aéreos não tripulados, chamados Vants, que são aqueles que policiam as fronteiras e permitem que a gente localize o tráfico. Os Vants chegaram em setembro e até o final do ano mais dois vão chegar, e eu pretendo transformar esse policiamento das fronteiras num policiamento sistemático, com mais 14 Vants".
Como se sabe, as UPPs não foram implantadas Brasil afora e, em setembro de 2010, não havia nenhum Vant em funcionamento. Neste ano, 2014, só há dois voando de fato nas fronteiras do País, apesar dos 14 anunciados pela candidata.
Das alturas cerúleas para as profundezas da Terra, mais uma fala da candidata Dilma: "Com o pré-sal, eu vou poder ter no Brasil mais milhares de equipamentos para controlar a fronteira... Mas não se pode deixar de olhar que a questão do pré-sal é fundamental. Quando eu coloco o problema da privatização, eu estou preocupada com o quê? Com esses recursos do pré-sal, que, segundo o candidato Serra, só vão chegar no final da década. Mas ele é mal informado. Os recursos do pré-sal já começaram".
O "candidato Serra", como ela se referiu a mim, não dizia nada que o "indivíduo Serra" não pudesse sustentar. A ideia de que o óleo do pré-sal iria proporcionar "milhares de equipamentos" para controlar a fronteira é emblemática não só da ignorância desmedida de quem preparou as fichas nas quais a então candidata acreditou, mas também da ligeireza com que se tratava algo tão sério: observem que se acusava o candidato da oposição de pretender privatizar o pré-sal e acabar com os recursos que seriam destinados ao narcotráfico... Um completo despropósito. Note-se à margem que a produção de petróleo no governo Dilma estagnou, a proclamada autossuficiência não aconteceu, jogaram-se muitos bilhões de dólares na aventura das refinarias, nada sobrou para o controle das fronteiras nem para a Petrobrás, que hoje é a empresa não financeira mais endividada do mundo, tendo perdido 50% do seu valor de mercado.
Poderia me estender aqui com dezenas de exemplos, mas esses dois, que saltaram primeiro à mão ao mexer nas minhas anotações, são bastante eloquentes. Essas "antileis" - ou as quatro leis da entropia petista - não são uma questão corriqueira, que se resume ao discurso. Elas têm consequências práticas na vida dos brasileiros e no futuro do País. Formam os alicerces do atraso, que sustentam um projeto de poder.
(*) Referência ao que dissera Winston Churchill sobre o primeiro-ministro Ramsay MacDonald.
*Ex-prefeito e ex-governador de São Paulo
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