- Valor Econômico
"As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras" Nietzsche
Dilma está perto de iniciar seu segundo mandato e há um grande debate acerca de qual a melhor política econômica a ser adotada. Trata-se, obviamente, de uma questão prescritiva. Para um grupo de aproximadamente 30 economistas, dentre os quais os mais conhecidos do grande público são Maria da Conceição Tavares, Luiz Gonzaga Belluzzo e Márcio Pochmann, a melhor política econômica é a que evite a austeridade fiscal e monetária como instrumento de combate à inflação. Esses economistas divulgaram um manifesto no qual afirmam que a política econômica certa, a melhor política econômica, aquela que deveria ser adotada por Dilma em seu segundo mandato, deve manter as taxas de juros reais em níveis baixos e adotar um regime fiscal comprometido com a retomada do crescimento.
A visão deles acerca do que é melhor para o governo é contrária à visão que tem o mercado financeiro. Para os bancos, de modo geral, a melhor política econômica é aquela que restabeleça a credibilidade do governo junto aos empresários e investidores, o que significa corte de gastos e aumento de juros. Segundo este ponto de vista, somente assim aqueles que controlam as decisões de investimento voltarão a ter a confiança necessária para investir na economia brasileira com a mesma disposição do passado. Note-se que se trata de dois pontos de vista inteiramente opostos. De um lado, economistas que falam em defesa dos interesses da maioria da população brasileira, como está escrito no próprio documento divulgado; de outro, investidores que vislumbram a possibilidade de adoção de uma política econômica que remunere melhor e mais adequadamente seus investimentos.
Os dois lados estão unidos na prescrição do que é melhor para o governo no que tange à política econômica. Um lado supostamente defende o interesse da maioria, ao passo que os bancos supostamente defendem apenas uma pequena minoria.
Vale colocar o debate acerca de qual seria a melhor política econômica para o governo Dilma II não como uma questão de devir, de "dever ser", não como uma questão prescritiva, mas como uma questão de fato. Para isso, é preciso considerar que o PT venceu as quatro últimas eleições presidenciais em segundo turno, com margens cada vez mais apertadas. Nas duas eleições ganhas por Lula, a vantagem dele sobre os adversários foi da ordem de 20 pontos percentuais. Dilma venceu Serra por uma margem de 12 pontos percentuais e agora a vantagem foi um pouco menor que quatro pontos percentuais. A margem apertada da eleição de 2014 é explicada pelo desempenho da economia. O eleitorado que votou em Aécio foi maior que o eleitorado que votou em Serra quatro anos atrás porque em 2010 o Brasil cresceu 7,5% e agora em 2104 o crescimento ficará próximo de zero. O PT só venceu em 2104 por que se disputava uma reeleição. Se Dilma tivesse indicado um sucessor, Aécio teria vencido.
Imagino que o PT queira vencer também a eleição de 2018. Note-se que esta é uma questão importante e não pode simplesmente ser considerada algo óbvio. Há, na base de qualquer partido político, aqueles que preferem a adoção de determinada política econômica mesmo que o resultado final seja a derrota eleitoral. Trata-se de uma visão legítima, que valoriza mais a consistência de suas ideias do que o eventual resultado da aplicação dessas mesmas ideias no mundo. Quem pensa assim é menos pragmático do que aqueles que abrem mão de seus pontos de vista em termos de política econômica com a finalidade de ganhar a eleição seguinte.
Embora considere a posição menos pragmática legítima, este artigo foi elaborado tendo-se em vista que o PT, ou pelo menos a maior parte do partido de Lula e Dilma, deseja vencer a eleição presidencial de 2018. É aqui que entra uma questão de fato e não uma questão de "dever ser". Cabe ao PT indagar qual política econômica maximizará suas chances de vitória em 2018, se a política defendida pelos economistas preocupados com o interesse da maioria dos eleitores, ou se a política defendida pelos bancos preocupados com seus próprios lucros. Lula respondeu na prática esta pergunta em 2003 e um pensador de esquerda polonês, Adam Przeworski, havia respondido academicamente à mesma pergunta nos anos 1980 com seu livro "Capitalismo e Social-Democracia".
A resposta é clara: se Dilma deseja maximizar as chances de o PT vencer a eleição de 2018, o melhor a ser feito é adotar nos primeiros dois anos de seu novo mandato o receituário defendido por empresários, investidores e pelo mercado financeiro. O motivo é igualmente claro: o bem-estar futuro (em 2018) da maioria dos eleitores, incluindo os pobres do Nordeste e de todo o país, depende dos investimentos que serão realizados no presente, e quem toma as decisões de investimento que têm impacto relevante sobre o crescimento econômico são os empresários e os bancos. Caso Dilma adote uma política econômica que lhes agrade no início de seu segundo mandato, eles vão investir e os frutos de tais investimentos se tornarão concretos em crescimento econômico e votos em 2018.
Vivemos no sistema capitalista e não sairemos dele. Isso significa que a decisão de investir está nas mãos dos empresários. O bem-estar futuro dos trabalhadores depende de que os empresários poupem e invistam no presente. O sucesso eleitoral de um governo de esquerda depende em grande medida do reconhecimento desse fato. O líder de um governo de esquerda assume um compromisso com os bancos e com os empresários, expresso da seguinte maneira: vocês terão a política econômica que desejam e, portanto, uma boa remuneração de seu capital.
Uma parte maior desse lucro será transformada, no futuro, em salários para os trabalhadores. O compromisso de classe, aquele estabelecido entre trabalhadores e empresários, deve considerar no mínimo dois aspectos: a distribuição de renda em favor dos trabalhadores e a remuneração do investimento dos empresários. Esse compromisso está exaustivamente documentado no livro de Przeworski. Mais do que isso, o ilustre pensador polonês de esquerda mostra que os governos de esquerda que desconsideraram a dependência estrutural do bem-estar futuro dos trabalhadores em relação ao capital foram derrotados nas urnas. Isso quase aconteceu com o PT em 2014. Foi um aviso para Dilma. Ao menos, um aviso para que ela leia "Capitalismo e Social-Democracia" em seu capítulo 5: "Interesses materiais, compromisso de classes e o Estado".
Há os apoiadores do governo Dilma que pressionam para que ela adote um novo modelo econômico. Vamos supor que, como mostra o gráfico, o bem-estar dos trabalhadores seja sempre melhor em qualquer momento do tempo no novo modelo quando comparado com o atual modelo econômico. Este, obviamente, não é o problema, mas sim a transição entre o atual e o novo modelo. Aqueles que pressionam Dilma rumo à esquerda supõem, erradamente, que a transição entre o que vivemos hoje e o novo modelo econômico ocorrerá de acordo com a trajetória "A" do gráfico: o bem-estar dos trabalhadores vai melhorar continuamente no tempo, o que assegurará o apoio eleitoral dos assalariados rumo ao novo modelo de economia. Não é isso, porém, que acontece. Na prática, como a decisão de investimento está nas mãos dos empresários e dos bancos, quando o governo decide seguir rumo ao novo modelo econômico, os empresários decidem desinvestir, o que piora o bem-estar dos trabalhadores (trajetória "B") e eles votam para mudar o governo. Foi o que quase aconteceu em 2014.
A derrota da esquerda nas urnas acontece, portanto, porque há interação entre trabalhadores e empresários e cada lado do conflito modifica sua estratégia em função do outro. Quando o governo de esquerda não leva em consideração o interesse dos capitalistas, eles desinvestem. O desinvestimento faz com que a economia cresça menos, ou não cresça, e assim piora a situação financeira dos trabalhadores. Os líderes políticos que entendem o recado dos empresários ao desinvestirem corrigem o rumo da política econômica e revertem a situação a seu favor. O caso clássico ocorreu na França nos primeiros dois anos do governo Mitterrand. O presidente socialista adotou políticas que contrariavam de maneira frontal os interesses dos empresários, e eles desinvestiram. Resultado, Mitterrand mudou a política econômica e teve um enorme sucesso não apenas econômico, mas também eleitoral: governou a França por 14 anos.
Há aqueles que pressionam Dilma a manter o rumo de seu governo, ou seja, a não compor com empresários, bancos e investidores, em nome da consistência e da coerência. Mais uma vez, é interessante recorrer a um pensador polonês, neste caso filósofo, Leszek Kolakowski, que no início dos anos 1990 escreveu um texto cujo título em inglês é claro: "In praise of Inconsistency (Elogio da inconsistência). Kolakowski chama atenção para o fato de que a consistência pode, muitas vezes, gerar um elevado grau de conflito e resultar na negação dos próprios princípios (consistentemente) defendidos. Seria o caso, por exemplo, daqueles que defendem a tolerância quando precisam lidar com manifestações a favor da intolerância. O que fazer? Tolerar os intolerantes significa ser consistente com o princípio defendido. Ao tolerá-los, porém, eles poderiam se tornar preponderantes e impor sua vontade intolerante, o que também iria contra o princípio da tolerância.
Passando da tolerância para a política econômica, pode-se afirmar que, para defender os trabalhadores e assalariados e, em particular, os nordestinos pobres, Dilma precisa assegurar as condições da vitória eleitoral em 2018. Para que isso seja alcançado, é preciso ceder aos empresários e investidores. Ou seja, a inconsistência de hoje contrata a consistência futura, a vitória em 2018. Há ainda o caminho oposto: aquele no qual a consistência de hoje, defendida pelos economistas que supostamente pensam no interesse da maioria, contrata a inconsistência futura, a derrota para o PSDB em 2018. A escolha de Dilma será feita em 2015.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".
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