Desta vez o PT não pode acusar a mídia de distorcer os fatos para deixá-lo mal. Ninguém menos do que um de seus vice-presidentes, o deputado cearense José Guimarães, acaba de reconhecer indiretamente um dos deploráveis resultados do modelo petista de fazer política - no caso, os efeitos disfuncionais da forma pela qual, desde os anos Lula, a legenda tenta manter no Congresso o que deveria ser um confiável esquema de sustentação do governo. "O PT não pode ficar nesse mata-mata aqui", desabafou, em declarações ao Estado, dias atrás. Ele aludia ao espetáculo proporcionado pelas siglas que, tendo feito parte das coligações eleitorais petistas ou tendo aderido ao bloco afinal vitorioso, se entregam à rotina de se engalfinhar entre si ou, de preferência, com o partido do Planalto - do qual exigem invariavelmente mais do que sabem que receberão. O nome do jogo é chantagem.
A imprensa afirma serem 365 deputados (em 513) os membros da base, observa Guimarães, para contestar, desacorçoado: "Você chacoalha o saco, não ficam 200". A rigor, ficam ou saem conforme as circunstâncias. Estas são ditadas pelo interesse do Executivo em ver aprovados os seus projetos, o que não raro envolve negociações de tirar as crianças da sala. Pior ainda, talvez, quando se trata de propostas de parlamentares que o Planalto refuga, pela gastança que acarretariam. Deixá-las à margem da pauta de votações não sai de graça. Para manter o preço nas alturas e o governo na defensiva, formam-se "blocões" de bancadas presumivelmente insatisfeitas, como o que gravita em torno do deputado Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro, candidato ao comando da Casa. Perguntada sobre o personagem, em recente entrevista, a presidente Dilma Rousseff foi sumária: "Estamos convivendo há muito tempo com ele".
Guimarães diz preferir "uma base menor, mais consistente, capaz de estabelecer os termos da governabilidade e da relação com o governo". Esse aglomerado disforme de interesses de toda ordem que está aí nem merece o nome que se lhe dá, porque a palavra base remete a uma estrutura cuja firmeza permite que sobre ela se ergam edificações feitas para durar - e, nesse caso, compromissos e programas que assegurem a governabilidade. Mas a marca da assim chamada aliança governista - a fluidez - torna imponderável o que dela o Executivo possa obter.
Se há lógica nesse desarranjo, escapa até a políticos experientes como o dirigente petista.
Só que as coisas não são o que são por geração espontânea ou por uma fatalidade do presidencialismo de coalizão, como é classificado o regime brasileiro. O movediço apoio parlamentar de hoje em dia ao Executivo tem história e autoria. Recai sobre a presidente Dilma Rousseff, com a sua contribuição, a consequência perversa de uma concepção hegemônica de relacionamento com o Congresso que o PT começou a pôr em prática quando chegou ao poder com Lula.
De início funcionou a meio mastro, com o presidente tendo de recorrer às suas reservas de carisma, liderança e interlocução fácil para os políticos se sentirem tratados como gostam e receberem o que julgam que lhes é devido no butim do bem público. Quando isso não bastou, supriram-se as necessidades com o vil metal do mensalão. Só no segundo mandato, Lula fez o que lhe aconselhara desde a primeira hora o à época ministro da Casa Civil José Dirceu - e trouxe o espaçoso PMDB para dentro de casa. A partir daí, o PT e os seus aliados compartilharam uma era de ouro. Eleita, Dilma herdou o arranjo, do mesmo modo que havia recebido de Lula o candidato a vice, o peemedebista Michel Temer. Mas, como diria o irmão de José Guimarães, o ex-deputado José Genoino, "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa".
Cheia de si, inflexível e sem interesse ou vocação para o entendimento político, a sucessora e antítese do seu patrono se abandonou a queimar patrimônio. Com o desandar da carruagem - os sinais cada vez mais nítidos de fracasso do seu governo - a situação levantou na Câmara um muro de lamentações para fazer par com a muralha da presidente. O passivo do primeiro mandato e a sua reeleição a fórceps só aumentaram o "mata-mata". E autorizam a expectativa de que Dilma terá quatro anos ainda mais difíceis no trato com a tigrada.
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