Dizia Winston Churchill que ninguém deve imaginar que a democracia seja perfeita, sem defeitos, pois é "a pior forma de governo, à exceção de todas as outras". Tendo combatido, na guerra e na diplomacia, os regimes totalitários nazista e comunista, o premiê britânico entendia o paradoxo de que a maior vulnerabilidade dos regimes democráticos genuínos reside exatamente em um de seus principais fundamentos: o compromisso inarredável com a liberdade individual e de expressão dos cidadãos, cujo mau uso e manipulação podem se transformar em armas poderosas nas mãos dos inimigos da democracia.
Essa reflexão é necessária neste momento em que, passada a turbulenta campanha presidencial que dividiu o Brasil eleitoralmente em duas metades, as manifestações populares que sacudiram o País em junho do ano passado começam a refluir para as ruas. O propósito agora é o de manter os protagonistas da cena política atentos ao fato de que o veredicto das urnas é sagrado por tudo o que significa, inclusive pela demonstração de que a sociedade reclama a perseguição de um ponto de equilíbrio entre as divergências que afloram claramente em seu seio. Respeitar a necessidade de manter esse equilíbrio é respeitar a democracia.
Nessa linha de raciocínio, em ato público na semana passada, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso enfatizou: "Hoje temos democracia, temos liberdade, e é dever nosso, em primeiro lugar, preservar a democracia respeitando as regras do jogo, respeitando a Constituição, aceitando derrotas e estando sempre dispostos, derrotados ou vitoriosos, a cumprir a lei e a defender o Brasil".
Na mesma oportunidade, Aécio Neves reafirmou: "As manifestações são legítimas e a rua é do povo. Dentro das regras democráticas, defendendo sempre a democracia, as manifestações devem continuar acontecendo".
Mas, como dizia Churchill, a democracia não é perfeita, até porque não pode evitar ou impedir que radicais de todos os matizes, da extrema direita à extrema esquerda, utilizem a liberdade que o sistema democrático lhes garante para proclamar sua inconformidade com as garantias da liberdade. Infiltrados nas recentes manifestações promovidas para cobrar da presidente reeleita a correção dos rumos do governo, especialmente na área econômica, radicais da direita têm defendido uma "intervenção" para afastar do poder Dilma Rousseff e o PT. Pregam, claramente, um golpe militar.
Esse desvario golpista é absolutamente inadmissível numa sociedade que conquistou instituições democráticas minimamente sólidas - capazes de resistir, por exemplo, a governos incompetentes e beneficiários de escandalosos esquemas de corrupção - porque soube aprender a importância da liberdade ao resistir, durante 20 anos, a uma ditadura militar que fora instalada exatamente sob o pretexto de salvar a democracia. O retrocesso a qualquer tipo de governo discricionário só é concebível, descartada a hipótese do autoritarismo ideológico, pela boa-fé desinformada ou pela incorrigível ingenuidade de quem não é capaz de entender que, se muitas vezes a vida é ruim na democracia, é sempre muito pior fora dela.
Por outro lado, não se pode deixar de levar em conta que o deplorável discurso da direita autoritária, que os democratas têm o dever de repudiar, é hoje, em alguma medida, um contraponto ao radicalismo de esquerda - igualmente repudiável - que os poderosos de turno se sentem cada vez mais à vontade para propagar na defesa de seu projeto de poder.
Pedir a volta dos militares ao poder é tão indefensável quanto, como fazem facções e dirigentes do PT, pregar a "democratização dos meios de comunicação"; o "fim da privatização dos portos, aeroportos e rodovias"; "estabelecer o controle dos trabalhadores sobre a gestão de todas as estatais e serviços públicos" como forma de acabar com a corrupção; "constituir um governo apoiado nas organizações populares, na CUT, no MST, entre outras".
Todas essas pérolas constam de um documento oficial da "esquerda marxista" do PT dirigido a Lula, a Dilma e à direção do partido. A mais preciosa delas: "Exigir publicamente e combater pelo impeachment dos ministros do STF que votaram na farsa da AP 470, a liberdade imediata e anulação da sentença dos dirigentes do PT". Churchill tinha razão.
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