• Depois de Rossetto desdenhar as manifestações de domingo, a presidente Dilma fala em humildade e diálogo. Precisa cuidar para que seja esta a visão oficial
Vive-se um momento de tensão, com uma crise econômica contratada pelos erros cometidos no primeiro mandato da presidente reeleita, e potencializada por dificuldades de diálogo entre o Planalto e o Congresso, essencial para a implementação de medidas contra esta mesma crise. É nesse contexto que as ruas voltaram a ser ocupadas por manifestações. Sexta, foi a vez de PT e aliados se mobilizarem em apoio à presidente, contra a proposta “golpista” do impeachment e, contraditoriamente, em repúdio ao ajuste fiscal da própria Dilma. No domingo, multidões convocadas por diversos movimentos, sem vinculações partidárias, passaram o dia, também pelo país afora, em protestos contra Dilma, PT e políticos corruptos.
Serviu de resposta contundente aos atos governistas: apenas na Avenida Paulista, SP, e adjacências aglomerou-se 1 milhão de pessoas, algo comparável a alguns comícios históricos da campanha pela volta das eleições diretas, em 1984.
Houve um ou outro excesso. No lado chapa-branca, o capo do MST, João Pedro Stédile, voltou a ameaçar com seu “exército”, termo usado pelo ex-presidente Lula. E, no domingo, desfilaram faixas com pedidos de golpe militar, algo inaceitável, reivindicação tão absurda e delirante quanto as ameaças de Stédile. Mas tudo transcorreu em ordem, em mais uma demonstração de que a democracia brasileira tem bases sólidas, a serem defendidas, sempre.
A desproporção entre a sexta vermelha e o domingo verde e amarelo forçou o governo a pensar. E não apenas pela maior adesão às manifestações de oposição, mas também pela qualidade delas: na sexta, quase exclusivamente militantes convocados pelas máquinas do partido, sindicatos, UNE e organizações ditas sociais. Havia até manifestantes pagos. E no domingo, adesão espontânea.
Mas a primeira reação foi desastrosa. Escalados para falar em nome do governo, os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rossetto, entraram no ar com discursos contraditórios. Enquanto Cardoso falava em “abertura ao diálogo” e destacava que Dilma governa para todos, Rossetto, voltado para a esquerda do PT, desdenhava toda a mobilização de domingo, dizendo que se tratavam apenas dos que votaram contra Dilma. Foram saudados por um panelaço em várias capitais.
O governo, ontem, tentou afinar o discurso. Colocou Cardozo ao lado do ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, uma dupla de PT e PMDB, para enfatizar o discurso do diálogo. A operação de rescaldo foi completada pela própria Dilma falando em “humildade” e dizendo-se presidente dos “203 milhões de brasileiros”.
Será preciso mais atenção no Planalto para garantir que a visão que vale é esta e não a de Rossetto. No mais, o governo aposta fichas em que um sempre anunciado pacote anticorrupção e o velho mantra da reforma política saciarão os anseios dos que ocuparam as ruas no domingo. A ver.
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