Às crescentes resistências econômicas e sociais ao ajuste fiscal, bem como às contradições e fragilidade da base parlamentar governista, a esses obstáculos à viabilidade de aprovação dele no Congresso soma-se outro que tem um peso relevante de condicionante negativa dessa viabilidade. É a desconfiança dos agentes econômicos e de lideranças políticas responsáveis (mais do que desconfiança, um cálculo desfavorável e realista) de que o ajuste, se viabilizado – com penosos sacrifícios para as atividades produtivas, o mercado de trabalho e o conjunto da população – ao invés de ampla reorienta- ção das políticas macro e microeconômicas, numa sequência do mandato de Dilma Rousseff, poderá propiciar tão só, basicamente, a retomada do mix de intervencionismo estatizante e populismo assistencialista de seu primeiro governo. Este é o risco/Dilma, que enfraquece os objetivos, corretos, do esforço para o ajuste das contas públicas do país, para a correção do enorme descalabro dessas contas nos últimos anos.
Tais desconfiança e cálculo crítico ganharam consistência no final da semana passada, quando a presidente usou a contestação de justificativa da MP que restringiu as desonerações fiscais da folha de salários de empresas, feita pelo ministro Joaquim Levy, para destacar o caráter transitório, passageiro, das medidas do ajuste. De par com a defesa veemente, do acerto e da importância das referidas desonerações. Com essa repreensão ao ministro, ela mostrou quem manda e a transitoriedade do papel de Levy. O que, aliás, se evidencia na manutenção de pessoas de sua confiança pessoal, sobretudo petistas, no comando dos bancos federais (BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica) bem como da Petrobras com o isolamento do ministro à área da Fazenda.
A desautorização ostensiva de Joaquim Levy e a controvérsia em torno da MP das desonerações e de sua oportunidade, de um lado estimularam as resistências ao ajuste no Congresso, inclusive das bancadas petistas. E, de outro lado, diminuíram o respaldo ao esforço fiscal nos meios empresariais e na mídia. Isso logo após o núcleo do Palácio do Planalto ter-se rendido à necessidade de reforço ao papel do ministro da Fazenda em face do impacto da perda do grau de investimento da Petrobras pela Moody’s, da ameaça de ação semelhante das outras duas grandes agências de avaliação da qualidade de dívidas e de maior deterioração da imagem externa do Brasil.
Quanto às desonerações das folhas de pagamento de salários das empresas, a aplicação delas, de modo bem seletivo em especial para o setor automotivo, foi item destacado do apelo populista (pró- emprego) do governo Dilma e do PT e para suas articulações com segmentos do empresariado. Instrumento ampliado na campanha reeleitoral com extensão a várias atividades produtivas, como as da indústria da construção, de uso intensivo de mão de obra. E a súbita restrição delas agora, num contexto recessivo e de forte contenção de investimentos pú- blicos e privados (como medida do ajuste para aumento da receita fiscal em lugar de cortes significativos nas despesas de custeio e assistencialistas) agrava os problemas econômicos e financeiros enfrentados por essas atividades.
E a amplitude da crise da base governista
Na Câmara, o entendimento, em torno da condu- ção da CPI do petrolão, entre os presidentes da Casa e do órgão com os partidos de oposição: o bloqueio da tentativa do relator petista de esvaziar as investigações estendendo-as à fase anterior, no governo FHC, à institucionalização do megaescândalo da Petrobras; e a abertura de subrelatorias como as da CPI do mensalão.
E no Senado, as duas decisões de ontem, que deslocaram a maioria de seus membros para uma contraposição ao Palácio do Planalto: a devolução ao Executivo, pelo presidente Renan Calheiros, da MP 669, sobre as desonerações das folhas de salários das empresas; e a aprovação pelo plenário, confirmando ato da Câmara, do projeto que restringe a uma quarentena de cinco anos a criação e a fusão de partidos – praticamente matando o plano da montagem de uma grande legenda pró-governo articulada por Gilberto Kassab.
A mais importante dessas decisões, a devolução da MP, reduziu seriamente o espaço para a viabilização do ajuste fiscal, antecipando provável insucesso de outras MPs ligadas ao ajuste, como as relativas ao Imposto de Renda e ao segurodesemprego.
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Jarbas de Holanda é jornalista
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