domingo, 15 de março de 2015

Luiz Carlos Azedo- A correlação de forças

• O governo continua sendo a forma mais concentrada de poder, pode absorver todo o desgaste de Dilma e continuar funcionando até as próximas eleições

- Correio Braziliense

Muitos dos conceitos e métodos de avaliação política têm origem militar, ou melhor, na experiência das guerras civis e das revoluções sociais. Foram elas que abriram o caminho na Europa para o surgimento dos parlamentos e, com a Independência dos Estados Unidos, para a democracia e a política como as conhecemos hoje.

Grandes estadistas, como Churchill, e líderes políticos, como Gandhi, destacaram-se em momentos decisivos da História porque souberam avaliar corretamente a correlação de forças em situações limite. De igual maneira, muitos desastres nacionais e derrotas políticas decorreram de avaliações equivocadas de líderes que foram, digamos, para a lata do lixo da História.

A França de 1789 a 1870 foi o principal modelo para o estudo de estratégia e tática na política. Só em 1871, com a derrota da Comuna de Paris, se esgotaram as tendências surgidas com a Revolução Francesa. As contradições internas que se desenvolveram desde então encontraram sua composição relativa com a Terceira República (1870-1940), quando a França teve 60 anos de vida política equilibrada, após 80 anos de sublevações em ondas cada vez mais espaçadas: 1789-1794-1799-1804-1815-1830-1848-1870.

O estudo dessas “ondas” leva em consideração três aspectos: a situação internacional, as condições econômicas e sociais (objetivas) e o posicionamento (subjetivo) das forças políticas. Vale a pena usá-lo para entender o que ocorre no país.

Primeiro, o Brasil vive uma crise econômica; a população tem suas expectativas frustradas pela inflação, pelo desemprego e pela recessão. Segundo, a presidente Dilma Rousseff perde apoio da base política e parlamentar e sofre os desgastes causados pela Operação Lava-Jato, que investiga a corrupção na Petrobras, o maior escândalo da história do país.

Ademais, a disputa política entre o governo e a oposição transbordou do Congresso para as ruas, com atores novos que fogem ao controle dos partidos e dos movimentos sociais organizados. Diante disso, o Palácio do Planalto acredita que os protestos da população contra a corrupção, a qualidade dos serviços prestados e a alta do custo de vida estariam sendo manipulados por forças políticas golpistas, empenhadas na deposição da presidente Dilma Rousseff.

Fora, Dilma!
Será isso possível? Historicamente, não seria a primeira vez. Crises políticas resultaram na renúncia ou na deposição de presidentes da República no Brasil em 1930, 1945, 1954, 1962, 1964 e 1992. Ou seja, entre duas guerras mundiais e a Guerra Fria, um ciclo quase tão longo quanto aquele do modelo francês. Não é à toa que o golpe de 1964 está sendo lembrado pelas forças governistas para acusar a oposição de tramar contra democracia.

Na sexta-feira, as centrais sindicais realizaram manifestações para apoiar o governo. Hoje, será a vez da oposição dar o troco: engrossará as manifestações convocadas pelas redes sociais contra o governo. Palavras de ordem como “Fora, Dilma” e “Impeachment já” alimentam esse clima.

Dilma obteve 54,4 milhões (51,64%) de votos no segundo turno; Aécio, 51 milhões (48,36%) . A diferença de 3,4 milhões foi a menor desde a redemocratização. Para vencer, Dilma atraiu as forças políticas à esquerda e movimentos sociais organizados; agora, precisa novamente da retórica “esquerda versus direita” e “pobres contra as elites” para manter esse apoio.

O atual posicionamento dos partidos políticos não muda a correlação de forças, o que só ocorrerá se o PMDB e outras forças centristas se deslocarem para a oposição. A mudança, porém, ocorre, por outro motivo: a crise econômica e o agravamento da situação social deslocam para a oposição os eleitores de Dilma frustrados pelo não cumprimento das promessas de campanha. O governo perdeu a iniciativa política.

Isso significa que a destituição de Dilma seja possível? Mantidas as regras do jogo, é improvável. A guerra fria acabou. A crise é conjuntural. O governo continua sendo a forma mais concentrada de poder, pode absorver todo o desgaste de Dilma e continuar funcionando até as próximas eleições, ou seja, exercer suas funções essenciais, como arrecadar, normatizar e coagir.

Para Dilma sofrer um impeachment nos termos da Constituição, seria preciso provar que cometeu um grave crime no exercício do atual mandato, que mal começou, e o Congresso estar de acordo. Ou, então, o Estado brasileiro entrar em colapso em razão da desobediência civil, o que não é desejável.

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