domingo, 15 de março de 2015

Celso Ming - Marcha contra o quê?

- O Estado de S. Paulo

Estamos diante de manifestações nacionais confusas cujo único ponto em comum é a enorme insatisfação provocada pela nova rodada de contas a pagar em consequência das distorções da economia, que passam a ter dimensão política.

São eventos cujas palavras de ordem refletem baixa consistência interna. Pedem consequências de viabilidade difícil.

A manifestação de sexta-feira, convocada pelas centrais sindicais e pelos chamados movimentos sociais, foi declaradamente a favor da presidente Dilma, mas contra sua política econômica de ajuste e distribuição de sacrifícios. O ex-presidente Lula teve atuação ambígua. Chegou a incentivar o movimento, mas pareceu desaprová-lo, quando disse que não iria e não foi.

Os sindicatos que o convocaram defendem o respeito a direitos trabalhistas. Se há alguma ameaça aparente contra eles, só pode provir das decisões da presidente Dilma, que propôs ao Congresso limitações ao programa de desonerações das folhas de pagamento.

O contra-ataque "aos inimigos da Petrobrás" é um discurso vazio. Nenhum estrago foi maior do que a política do governo Lula e a do primeiro mandato Dilma, que represaram os preços dos combustíveis, sangraram o caixa da Petrobrás e usaram postos de diretoria para comprar apoio político. Algumas bandeiras de inspiração paranoica - do tipo "tirem as mãos do nosso pré-sal" - tentam explicar a derrubada internacional dos preços do petróleo como resultado da conspiração dos grandes capitais cujo único objetivo é desestabilizar a Petrobrás. Ficou a impressão de que o movimento se omite em relação à corrupção e os saques amplamente conhecidos pelas denúncias da Operação Lava Jato.

As manifestações de hoje não têm instituições patrocinadoras. Estão sendo convocadas pela internet e pelo Facebook. É um movimento declaradamente contra a presidente Dilma mas, porque de oposição, em princípio é favorável à nova política econômica, na medida em que na última campanha eleitoral defendida pelos partidos da oposição.

Um importante segmento dessas forças que deverão marchar neste domingo está erguendo a bandeira do impeachment, aparentemente sem avaliar as implicações desse gesto. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos principais líderes da oposição, avisou que é contra, porque o julga uma saída descabida.

Enfim, estamos diante de uma situação esdrúxula em que a primeira manifestação é a favor da presidente Dilma, mas, ao mesmo tempo, contrária à sua política econômica e a outra, a favor de sua política econômica, mas contra a presidente.

Em todo caso, estes são movimentos de natureza política e, como tudo em política, podem começar de um jeito e terminar de outro. Hoje, os protestos estão à procura de alguma coerência. Se não a encontrarem, ou se esvaziarão naturalmente ou poderão tomar outra direção. Como faltam lideranças, o risco é o de que essas bandeiras caiam em mãos de demagogos e de aproveitadores que ponham a perder os valores democráticos que se quer consolidados.

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