• Dilma surpreendeu equipe ao abandonar costume de fazer revisões minuciosas
• Conversa 'tensa e dura' com Lula, na última terça (10), mostra que criador está perdendo paciência com criatura
Natuza Nery, Andréia Sadi – Folha de S. Paulo
Protestos de março
BRASÍLIA- Na solidão do Palácio da Alvorada, Dilma Rousseff passa por uma metamorfose evidente para seus interlocutores desde que sua Presidência entrou em aguda crise política e econômica, paradoxalmente após a reeleição.
"Roubaram a presidente", define um ministro próximo. Saiu de cena a censora das planilhas eletrônicas, que reclamava até da cor do layout da apresentação. Recentemente, ela rejeitou examinar um arquivo de Power Point.
"Isso não é comigo", disse Dilma, abanando a mão sem paciência, para espanto dos presentes, acostumados à maneira minuciosa de a presidente revisar detalhes.
A tentação à disposição do observador distante é a de ver nisso uma capitulação emocional à crise que engolfou o governo. Itens não faltam: Operação Lava Jato e crise na Petrobras, recessão econômica soando suas trombetas, descontrole na articulação com um Congresso arredio.
Mas os próximos de Dilma veem na presidente uma fase nova --mais leve, não só pelos 13 quilos que perdeu fazendo dieta, mas também no humor. As proverbiais broncas e os palavrões foram substituídos, recentemente, por relatos de amabilidades.
Dilma até aposentou, ao menos por ora, os dois remédios de controle de pressão que costumava usar. Para quem a conhece, essa é uma defesa natural em momentos de dificuldades. Nunca é demais lembrar que a presidente passou anos presa e torturada pela ditadura militar.
Os protestos deste domingo (15) irão novamente testá-la. Durante a semana, quando foi alvo de panelaço em reação a sua fala na TV e foi vaiada em evento na capital paulista, Dilma desabafou sem emoção visível. "É, vamos ter de brigar muito. Mas só não está morto quem peleia", disse a próximos.
A Dilma durona, cujas broncas eram tão ferozes que podiam levar auxiliares a buscar tratamento médico, deu lugar a uma personagem diferente. Uns atribuem a metamorfose à dieta Ravenna. Outros acham que ela começou a tomar florais de Bach.
Mas foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quem falou em voz alta sobre o boato mais frequente. "Mulher, quando faz regime assim, é porque tem namorado", disse recentemente a um amigo.
Segundo toda a corte mais íntima de Dilma, seu mentor está errado. Fora do trabalho, dizem, ela está cercada de livros e seriados de TV.
Conversa tensa
Para auxiliares, Dilma está solitária num momento de crise. Vez ou outra, ela os convoca para despachos no Alvorada no fim do dia, só para emendar um convite para jantar na hora em que eles estão prontos para ir embora.
Isso é um traço pós-eleição. Dilma está mais reflexiva, dizem. Dias depois de uma conversa com Lula no fim do ano, ela desapareceu do mapa. O relato do diálogo dá conta de que ele foi direto: "O que aprendemos com esta eleição?" Sem dar chance de resposta, respondeu: "Que precisamos mudar".
A principal mudança, a da política econômica com a escolha de Joaquim Levy, ocorreu sem consulta ao padrinho. À distância, Lula disse a amigos: "Esse ministério não aguenta um ano".
O último encontro entre os dois, a sós, na terça (10) no Alvorada, mostra, segundo interlocutores de ambos, que o criador está "perdendo a paciência" com a criatura.
Foi uma conversa muito "tensa e dura", com tapas na mesa e tom de discussão, que pôde ser ouvido pelos ministros que aguardavam no Alvorada para uma reunião depois. O tom foi tão elevado e ríspido que causou constrangimento a quem ouviu.
No dia, estavam no Alvorada os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Miguel Rossetto (Secretaria-Geral), Jaques Wagner (Defesa) e o presidente do PT, Rui Falcão.
A principal queixa de Lula foi em relação à articulação política do governo. Ele defendeu mudanças na equipe que trata das negociações com o Congresso para que o governo tenha êxito na aprovação do pacote fiscal.
Choque de realidade
Alexandre Tombini, à frente do Banco Central, foi o portador dos números da realidade para Dilma. No fim da campanha eleitoral, ele passou a ela dados objetivos sobre a debacle fiscal que o país vivia, tornando o cavalo de pau na economia inevitável.
Dilma deu o primeiro sinal dele na entrevista a jornais que concedeu após a reeleição, quando falou em "fazer a lição de casa". Mesmo isso não previa a queda na arrecadação, que acelerou a ideia de um ajuste mais amargo.
A escolha de Levy entra nesse contexto. Ele realmente tem carta branca e, como provou a pressão para a não derrubada de um veto presidencial que garante uns R$ 5 bilhões a mais para o governo, com a sua ameaça de demissão, o clima é de Fla-Flu.
Mercadante ganhou influência. A presidente não saiu dos palácios nem conversou com interlocutores externos --exceto o ministro.
Somada à propalada soberba no trato, a ira de petistas e aliados acabou caindo sobre Mercadante pelo isolamento de Dilma. Ele é responsabilizado por medidas desastradas, como desafiar Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na disputa pela Presidência da Câmara --o candidato do PT não chegou nem perto.
Mercadante cita o quase inimputável papa Francisco. "Temos de abolir a intriga e a fofoca na Cúria", equiparando a Esplanada ao órgão diretor do Vaticano. Rejeita o rótulo de "premiê", lembrando que "o único capaz de roubar a presidente da função é seu netinho".
Colaborou VALDO CRUZ, de Brasília
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