domingo, 15 de março de 2015

Jorge Bastos Moreno - A incômoda companhia dos escândalos: casos de corrupção estouraram em todos os governos

• Hipótese de perder o cargo em um processo de impeachment sempre rondou os presidentes brasileiros pós-ditadura

- O Globo

Desde a restauração da democracia no país, em 15 de março de 1985, todos os presidentes da República, com exceção de Itamar Franco, foram ameaçados pela palavra “impeachment”, mas só um deles foi destituído do cargo, Fernando Collor. Mesmo não fazendo parte desse rol, o governo Itamar não deixou de ser, como todos os outros, abalado por denúncias de corrupção, e o presidente teve, também, que demitir ministros acusados de práticas ilícitas.

O primeiro presidente pós-ditadura, José Sarney, assumiu o cargo como resultado de uma bem articulada aliança política armada por Tancredo Neves. Sarney teve momentos de lua de mel com a população. Restabeleceu eleições diretas, legalizou partidos proscritos e convocou a Constituinte. Em 28 de fevereiro de 1986, um ano após a posse, criou o Plano Cruzado, cujos reflexos nas urnas levaram o PMDB a eleger 22 governadores, dos então 23, e a conquistar a maioria da Câmara e do Senado.

Mas essa lua de mel durou pouco. Sarney, que já deveria ter promovido o descongelamento de preços em junho daquele ano, só o fez depois das eleições. A inflação persistiu e, com isso, transformou a vitória do PMDB no maior estelionato da história. Sua luta pelo mandato de cinco anos gerou a acusação da troca de votos por concessões de rádio e TV.

O maior protesto contra Sarney ocorreu no Rio, quando um grupo de manifestantes tentou destruir com picaretas o ônibus que transportava a comitiva presidencial. No Congresso, foi criada uma CPI para investigar denúncias de corrupção no seu governo, e vários pedidos de impeachment foram arquivados pela presidência da Câmara.

Logo no início do segundo semestre do primeiro ano de governo Fernando Collor, sucessor de Sarney, surgiram as primeiras denúncias de corrupção no Executivo. O então presidente da Petrobras, Luís Octávio da Motta Veiga, pediu demissão, alegando estar sendo pressionado pelo ex-tesoureiro de campanha de Collor, Paulo César Farias, e pelo cunhado do presidente, o embaixador Marcos Coimbra, para conceder empréstimos, sem juros, à Vasp, recém privatizada pelo governo.

O ano de 1991 começou com novas denúncias de corrupção, desta vez atingindo a primeira-dama, Rosane Collor, na presidência da Legião Brasileira de Assistência (LBA). E elas foram se acumulando até que, em maio do ano seguinte, Pedro Collor, irmão do presidente, deu uma entrevista à “Veja”, acusando PC Farias de enriquecimento ilícito e de ser testa de ferro do presidente da República em seus negócios. Depois, vieram denúncias de que Pedro Paulo Leoni Ramos, secretário de Assuntos Estratégicos, montara um esquema de pagamentos de propinas na Petrobras. Agora, na maior crise da estatal, Leoni Ramos volta a ser acusado de participar do mesmo tipo de esquema.

O Congresso criou uma CPI e, em 29 de setembro, a Câmara aceitou a abertura do processo de impeachment, com o consequente afastamento de Collor do cargo — que se tornaria definitivo em 29 de dezembro do mesmo ano, com a renúncia do presidente. Mesmo assim, o Senado, no mesmo dia, aprovou o impeachment.

Sucedido pelo vice, Itamar Franco, o novo governo, apoiado no início por todas as forças políticas do Congresso, exceto o PFL, também começou a sofrer denúncias de envolvimento de ministros em corrupção.

Vários ministros de Itamar, entre eles Henrique Hagreaves e Alexandre Costa, além do ministro da Fazenda, Eliseu Resende, foram afastados do governo. Com o Plano Real, Itamar elegeu Fernando Henrique e, a exemplo de Sarney, não deixou a cena política. Depois de ter sido embaixador, elegeu-se governador de Minas, foi senador e morreu com a imagem de ter sido um dos melhores presidentes pós-ditadura.

Fernando Henrique surfou na onda do Plano Real, mas seu governo foi também abalado por uma série de denúncias de corrupção. Os problemas começaram a partir das intervenções nos bancos Nacional e Econômico, e a consequente criação da criação do Programa de Estímulo à Reestruturação e Fortalecimento do Sistema Financeiro (Proer), muito criticado pelo PT e parcelas da opinião pública.

Mas os maiores problemas surgiram com o programa de privatizações. Um dos denunciados foi o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-caixa de campanha. Ele teria atuado para assegurar a entrada da Previ, fundo de pensão do BB, no consórcio formado pela Telecom Itália e o banco Opportunity, de Daniel Dantas. Ricardo Sérgio concedeu uma carta de fiança altíssima ao consórcio. Nesse processo, grampos telefônicos agravaram as denúncias e sacudiram o governo tucano. Conversas entre o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, e o presidente do BNDES, André Lara Resende, flagraram a operação montada para beneficiar o consórcio do Opportunity.

Mas a maior acusação a Fernando Henrique foi da compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição, aprovada em 1997. Os petistas José Dirceu e Tarso Genro defenderam o “fora FH”, e José Genoino tentou criar uma CPI na Câmara para investigar a reeleição do presidente. Vários pedidos de impeachment congestionaram a presidência da Câmara, mas nenhum processo de investigação foi aberto.

O governo Lula, que sucedeu a FH, começou a ter problemas ainda durante a campanha, com o assassinato do tesoureiro Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André. O primeiro baque veio com a divulgação de um vídeo mostrando o então subchefe da Casa Civil, Waldomiro Diniz, recebendo propinas. Mas o maior escândalo do governo Lula foi mesmo o mensalão, denunciado por Roberto Jefferson, considerado, até hoje, o processo mais longo do Judiciário nacional, e que levou à prisão José Dirceu, José Genoino, João Paulo Cunha e outros. A oposição tentou, mas também não conseguiu abrir um processo de impeachment contra Lula.

No governo Dilma, a expressão impeachment começou a ganhar, timidamente, as ruas, mas não se sabe se movimento poderá prosperar, a partir das manifestações marcadas para hoje. Ao pronunciar, nesta semana, a palavra impeachment, Dilma levou o tema, ou pelo menos a expressão, para dentro do Planalto. O escândalo da Petrobras, o maior da história do país, explodiu no seu governo, mas sua origem, a propina institucionalizada, segundo um de seus delatores, vem desde 2004, no governo anterior, portanto.

No início do primeiro mandato, o governo Dilma foi metralhado por uma série de denúncias contra pelo menos sete ministros, todos eles demitidos por ela, numa operação que a mídia denominou de “faxina”. Com dois meses e 15 dias no segundo mandato, Dilma ainda não conseguiu governar com tranquilidade, inclusive por problemas com o principal partido da sua base aliada, o PMDB, cuja tendência é a de se afastar definitivamente da aliança com o PT.

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