- O Estado de S. Paulo
Estranhou-se a ausência do ministro Joaquim Levy no momento do anúncio dos cortes no Orçamento, mas deu-se como natural o fato de mensagem de tamanha importância não ser transmitida ao País pela presidente da República.
Dilma Rousseff seria a porta-voz abalizada. Isso em tempos normais. Neles também caberia à chefe do Poder Executivo reunir governadores para debater o contrato federativo e receber os prefeitos que anualmente "marcham" a Brasília.
A tarefa neste ano ficou com os presidentes da Câmara e do Senado. A presidente já não havia aparecido quando do anúncio das medidas do ajuste fiscal, oficializando assim a transferência da condução pública da economia para Joaquim Levy. Questão de confiabilidade.
Depois, viu-se forçada a terceirizar a articulação política. Questão de habilidade. Entregou o serviço ao vice-presidente Michel Temer, comandante em chefe do PMDB, justamente o partido que o governo de início pretendia alijar da coalizão, substituindo por aliados mais dóceis.
Adiante o Congresso limitou a uma só a indicação de ministros do Supremo Tribunal Federal pela atual presidente, ao aprovar a extensão de 70 para 75 anos de idade a aposentadoria compulsória dos magistrados.
No meio tempo Dilma Rousseff e a opinião pública desentenderam-se de tal maneira que à presidente não restou opção a não ser o recolhimento. Parou de circular em eventos onde pudesse haver contato com a população e precisou até abrir mão do monólogo dos pronunciamentos oficiais em rede de televisão a fim de evitar vaias e panelaços.
Diga-se em favor da presidente que não é o único alvo. O vice também já foi obrigado a desistir de discursar em solenidades públicas devido a protestos de não mais que 50 pessoas e até o ex-presidente Luiz Inácio da Silva andou levando uns passa-foras quando apareceu no programa anual do PT. Do qual, pela primeira vez, Dilma absteve-se de participar.
Como reza o lugar comum, não está fácil para ninguém. Nem para a oposição que, apesar de todo o desgaste do governo, tem dado um duro danado para calibrar o enfrentamento com o Planalto. Precisa manter acesa a chama da insatisfação, mas, ao mesmo tempo, não pode perder o pé da realidade.
Por exemplo: de que adianta insistir em pedido de impeachment via Parlamento se está mais do que evidente que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, não dará prosseguimento ao processo, seja por falta de embasamento objetivo ou ausência de interesse político?
Ademais, sejamos francos: se por hipótese remota houvesse o afastamento da presidente antes de dois anos de mandato e fossem realizadas novas eleições, a oposição estaria mesmo interessada em assumir o comando do País do jeito que está?
Por ora, ao PSDB parece soar muito mais agradável assistir ao PT, Dilma, Lula e companhia encontrarem uma saída para a enrascada que eles mesmos construíram. Além disso, as coisas entre os tucanos voltaram a ficar complicadas em termos de ambições presidenciais.
O senador Aécio Neves já não corre sozinho. O governador Geraldo Alckmin constrói seu caminho rumo à candidatura e o senador José Serra começa a se reposicionar. Para os oposicionistas, portanto, melhor o impedimento de fato, na prática, que um impeachment de direito sem efeito.
Voz do dono. Além de consenso mínimo entre as forças políticas representadas no Congresso, falta a esse projeto de reforma política que agora começa a ser debatido no plenário da Câmara, o principal: o entendimento por parte do eleitor.
É de se duvidar se o ator principal do processo - o dono do voto - faça a mais pálida ideia do significado daquilo que discutem suas excelências. A amplitude da pauta leva a crer que, mais uma vez, a intenção é propor mudar para deixar tudo como está.
Isso na melhor das hipóteses, porque pode piorar.
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