- Valor Econômico
• Não há tradução para a desilusão da classe C
As ruas voltam ao cenário político em um momento em que o delicado equilíbrio da anomia começa a ser quebrado em Brasília. Dilma Rousseff e Renan Calheiros parecem ter encontrado o roteiro para o salvamento de ambos.
A presidente vai delineando uma demarcação de poderes: entrega a gestão econômica para interlocutores do sistema financeiro; a articulação política para o PMDB; as políticas sociais compensatórias para o PT e ensaia montar um balcão de quinquilharias para as demais siglas. Jamais voltará a ser uma presidente popular, depois de se despir da roupagem trabalhista e de esquerda que usou no ano passado. Mas obteve algum endosso na parcela dos atores que fazem preço, tomam as decisões de investimento e que começavam a avaliar o cenário do impeachment não mais como possível, mas como provável.
Renan tornou-se o operador do assalto ao Palácio de Inverno, com uma agenda de propostas que é uma plataforma para um novo governo. Ali desenha-se um horizonte além do ajuste fiscal, enxerga-se um roteiro para se manter uma presidente decorativa no poder até o fim de seu mandato. É um horizonte medíocre, mas divisável no nevoeiro. O outro vértice da anomia, Eduardo Cunha, parece enveredar também para uma diminuição da incerteza, ao sinalizar com pouca simpatia para um impeachment movido pela provável rejeição das contas do governo de 2014, como indica entrevista exclusiva publicada nesta edição.
Cunha indicou que não cabe apenas a Renan e Dilma tentarem impedir que uma representação pelo impeachment seja votada pelo plenário da Câmara, cenário de resultado incerto. Dentro das fronteiras do reinado de Cunha, o muro de contenção do impeachment conta com algo em torno de 150 votos. A maioria a favor do afastamento imediato da presidente gira ao redor de 220 parlamentares. Cerca de 160 deputados são incertos, segundo estimativa do diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Queiroz.
Para que tudo isso dê certo, a variável que importa está em Curitiba. Dali pode sempre sair um detonador que destrua qualquer colaboração entre os interessados na preservação mútua. Dificilmente o estopim virá das multidões do domingo.
Presidente do Datapopular, uma empresa que analisa o comportamento da chamada "classe C" em pesquisas quantitativas e qualitativas, o publicitário Renato Meirelles aponta um obstáculo para que o grito de "Fora Dilma! Fora Lula! Fora PT" se torne uma onda avassaladora e destituinte.
Essencialmente, a agenda da parcela da oposição e dos movimentos que tocam o ato de agora não é a mesma da que enorme massa da opinião pública que rejeita a administração de Dilma como ruim e péssima. Não é a guinada ortodoxa na economia, traduzida em chocantes aumentos de tarifas, em demissões em massa e na inflação a galope que estão presentes na convocação do momento.
A classe C desiludida com os cortes no financiamento estudantil, na habitação popular e na área da saúde não é representada pela classe média alta que pede menos Estado. Falta muito para este contingente tapeado pelo marketing presidencial em 2014 provocar o incêndio de dois anos atrás.
Com a falta de identidade entre quem está presente nas ruas e a desilusão da maioria, sai reforçado o empate no jogo. Meirelles diz que o saldo concreto das multidões deste fim de semana pode ser a consolidação de um núcleo minoritário de direita no espectro brasileiro. "Quem deve estar nas ruas neste domingo não se sentiu enganado no ano passado. É o antipetismo que revigora seus argumentos com o noticiário sobre corrupção. Ultrapassar a fronteira do antipetismo é um desafio que a oposição ainda não resolveu", afirma o publicitário.
O desalento abre espaço para novidades em 2018, mas até o momento o único presidenciável autenticamente novo citado em pesquisas, que nunca participou de uma eleição presidencial anterior, é o notório deputado federal Jair Bolsonaro. Larga de 5% em uma pesquisa encomendada pela Confederação Nacional de Transporte (CNT) e poderá crescer enquanto não tiver concorrentes mais palatáveis na faixa de negação da política.
Caso Aécio desista de participar das manifestações à última hora, como fez em ocasiões anteriores, Bolsonaro poderá ser o único interessado em concorrer à sucessão presidencial presente. Nada garante que seja bem recebido em Fortaleza, por onde deverá aparecer. Bolsonaro já foi hostilizado em sua tentativa de março de capitalizar a manifestação do Rio, mas é um político empenhado na semeadura. Seu teto para voar em 2018 com certeza será baixo, mas ainda é desconhecido.
"A corrente de direita pura e dura passará a existir em termos eleitorais, como já está presente em países como França e Estados Unidos", opina Meirelles.
Protagonista da grande traição à classe C, o petismo conta com chances de sobreviver tanto quanto consiga se destacar de Dilma, algo que somente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia ter alguma possibilidade de fazê-lo.
Lula perdeu tudo o que conquistou em termos de adesão popular após a vitória de 2002 e hoje, em uma eleição presidencial, não seria absurdo pensar que largaria em uma faixa de 25% dos votos, a mesma que tinha nos anos 90. Não é pouco.
"É um leão com ossos quebrados, garras cortadas e sangrando. Mas é um leão", observou um cacique oposicionista, próximo ao governador paulista Geraldo Alckmin, partindo do pressuposto, obviamente, de que o leão continuará fora da jaula.
Lula talvez preferisse concorrer em 2018 em uma situação em que fosse favorito. Não é mais o caso, mas dirigentes na mesma situação não tiveram escolha. Apresentaram-se para defender o que julgavam ser o seu legado. É falso pensar que existe alguma perspectiva de renovação no petismo. Não há. O petismo se resume no momento, e com mais força na outrora triunfante classe C, à lembrança de uma perdida Idade do Ouro.
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