- O Estado de S. Paulo
Estamos meio perdidos no Brasil. Como se estivéssemos no mato discutindo entre veredas que podem nos levar de novo ao campo aberto. São três saídas que nos mobilizam no curto prazo: continuidade, o impeachment ou a renúncia de Dilma Rousseff.
Muitos temem o desconhecido. Há opiniões respeitáveis contra o impeachment. Fernando Henrique o considera uma bomba atômica. Marina Silva confessou, numa entrevista, que sofreu muito por ser contra o impeachment. Sofrimento por sofrimento, ela também sofreu nas mãos do PT. O de agora vem da pressão da maioria que apoia o caminho do impeachment.
Evitar o desconhecido tem uma enorme força entre as pessoas preocupadas com os rumos do Brasil. Mas para quase todas com que falei essa própria noção de continuidade se abala com a presença de Dilma. A pergunta difícil de responder: o que será do Brasil com três anos e meio de um governo fraco, desorientado, acossado pelo maior escândalo político da história?
Não nos enganemos: o Brasil não será o mesmo, navegando sem rumo por mais três anos e meio de Dilma. Será muito pior.
A outra vereda é o impeachment. Na experiência vivida em 1992 foi possível constituir um governo de unidade em torno de Itamar Franco. Lembro-me de tê-lo entrevistado uma semana antes da queda de Collor. Ele não disse nada publicável. Mas, informalmente, sua experiência apontava para um governo de unidade destinado a transitar até as eleições.
Itamar e Temer têm temperamentos diferentes. Itamar foi ousado o bastante para encampar o Plano Real de seu ministro Fernando Henrique. Foi um momento de grande instabilidade o impeachment, mas acabou levando o Brasil a encontrar o instrumento mais estável de nossa história econômica recente.
Itamar era praticamente independente. Temer é ligado ao PMDB, que tem Eduardo Cunha e Renan Calheiros na marca do pênalti na Operação Lava Jato.
Para conduzir uma tarefa nacional, era preciso admitir que presidentes do Senado e da Câmara não podem seguir no cargo na condição de investigados no petrolão. O PMDB não pode tentar, após o fracasso do PT, controlar a Operação Lava Jato.
É sempre bom acentuar que o cenário de impeachment está previsto na Constituição. Não é um caminho ilegal, golpista e tudo isso que os defensores do governo dizem. Um dos caminhos legais é investigar a campanha de Dilma com base no depoimento do empresário Ricardo Pessoa e nas anotações de Marcelo Odebrecht. São muito fortes os indícios de caixa 2, com dinheiro de propina inclusive vinda de contas na Suíça.
A terceira vereda é a renúncia. Os que conhecem Dilma dizem que ela não renuncia. Ela mesma afirmou que suporta pressões, já passou pela ditadura. Parece que não sabe a diferença entre panelaço e pau de arara. Talvez seja sensível ao argumento da grandeza. Pode voltar contra ela, como um bumerangue, seu discurso no Maranhão: o País está acima dos projetos pessoais.
Não acredito em militantes com vontade de ferro. Isso é um mito stalinista que perpassou a luta armada no continente, feita em condições de extrema dificuldade.
Somos todos humanos. No domingo há manifestação. A maioria do povo brasileiro saberá encontrar, além desta, inúmeras formas de expressar seu descontentamento.
A quase totalidade dos analistas não a acha capaz de controlar o Congresso, onde não tem maioria. Governar com minorias? Só com muitas ideias na cabeça e gente capaz de defendê-las.
Isso o governo não tem. A popularidade de Dilma cai à medida que a crise avança. Ela está próxima da unanimidade, o que talvez possa ser sentido como uma forma enviesada de grandeza: a presidente mais impopular do período democrático.
A situação do PT não é das mais confortáveis na opinião pública. Lula reclama de que não pode mais frequentar restaurantes. Diante do cerco social, líderes conhecidos reduzem seus movimentos. Os de José Dirceu se estreitaram para alguns metros de uma cela.
Tanto Dilma como seu partido, a julgar pelos discursos e programa de TV, resolveram enfrentar a maioria e ironizá-la. É uma tática suicida. A Operação Lava Jatos ainda reserva ao partido algumas surpresas, com as delações premiadas em curso. Nem precisa mais de revelações bombásticas. Basta comprovar as que foram feitas e o PT pode ter o destino dos partidos italianos que desapareceram com a Operação Mãos Limpas.
Entre quase todas as visões de saída da crise o pressuposto é de que um projeto político morreu. Nossas discussões sobre saída, no fundo, convergem para essa constatação. O problema, como em muitos velórios, é o momento do enterro. Há sempre um parente vindo do sul, alguém que não conseguiu passagem, enfim, prazos diferentes.
Vivemos uma crise econômica, perdendo 100 mil empregos por mês. Logo poderemos sentir o reflexo em convulsões sociais. Pessoalmente, descarto a inércia por achar que é a pior das soluções. Mas não estou perdido sozinho.
Estamos todos no mesmo impasse. O PT e o governo afirmam que cassar o mandato de Dilma levará o País ao caos.
Domingo, as pessoas saem às ruas para dizer o que querem. Os políticos costumam fingir de mortos, esperando passar o calor das manifestações. Acho muito difícil marcá-las com tanta antecedência, pois movimentos sociais têm fluxo e refluxo e um nível de espontaneidade. Mas novas formas de protesto surgirão.
Não creio que o Brasil vá se curvar a um esquema criminoso por medo ou apenas delicadeza. Alguns adversários apanharam muito do PT e, agora, dão a outra face. Há muita elegância e beleza nesse gesto de Cristo. Mas, como lembra um personagem de Beckett, naquela época se crucificava depressa. Ou o Brasil encontra energia e forma de se livrar de um sistema de dominação criminoso ou amargará anos de atraso e desânimo.
De qualquer forma, estaremos juntos. E, de certa forma, separados. A nacionalidade não é uma segunda pele. Bolsões criativos podem surgir aqui e ali, mesmo vivendo num país medíocre e assustado, um Bananão, como dizia Ivan Lessa.
*Fernando Gabeira é jornalista
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