- O Estado de S. Paulo
Os protestos de 16 de agosto foram do tamanho suficiente para a oposição comemorar e o governo parecer ignorar. Enquanto Aécio Neves saía da janela para a rua a defender o impeachment da presidente, Dilma Rousseff tuitava sobre os Jogos Parapan-Americanos. Universos paralelos apenas na aparência. Nos bastidores, fazem as mesmas contas, com sinais trocados. O governo ganhou tempo, que é tudo o que ele pode ganhar por ora.
Dilma perdeu sua agenda social e econômica. Só lhe resta o cargo. Tenta permanecer na cadeira para ver se a tempestade passa em tempo de ela recuperar parte do poder perdido. Logo, uma manifestação tão grande ou maior do que a de março seria um furacão. Foi mais um tornado. Mostrou o tamanho do antipetismo, com seu foco concentrado em Lula e na presidente. Mesmo forte, o vento foi insuficiente para tirar a sustentação presidencial.
Quanto mais demorar para o impeachment amadurecer, maior a chance de ele passar do ponto. Por uma razão principal: agentes econômicos têm lá suas preferências e simpatias, mas agem de acordo com o que é melhor para o negócio. Em todas as simulações, o pior cenário para a economia é uma crise política sem fim. O eventual apoio à saída de Dilma do poder só seria explícito se viabilizada logo. Rapidez é o nome do jogo.
Parte da oposição entendeu e foi trabalhar. Alguns propuseram a renúncia, porque é instantânea. Só não combinaram com Dilma, que foi à TV dar entrevista dizendo que fica. Outros que têm pressa, pois sua sobrevivência está por um fio, foram mais sofisticados. Prepararam um ataque-surpresa à Linha Maginot petista.
Denunciado por um dos delatores da Lava Jato, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) usou todos seus recursos como presidente da Câmara para promover uma blitzkrieg, logo na volta do recesso. Em manobras rápidas e intensas, expôs a fragilidade da base de apoio de Dilma e alinhou suas forças para marchar na direção do impeachment. Mas cometeu o mesmo erro de Hitler: abriu mais frentes de batalha simultâneas do que podia enfrentar.
Enquanto fazia fogo de barragem para votar a rejeição das contas do governo Dilma e abrir espaço para a abertura do processo de impeachment, Cunha brigou com a Advocacia-Geral da União e com a Procuradoria-Geral da República ao mesmo tempo. A frente jurídica é sua Frente Russa. Perdeu no Supremo Tribunal Federal o direito de votar na Câmara as contas presidenciais. O colégio capaz de aprová-las ou rejeitá-las tornou-se o Congresso, em sessão conjunta de deputados e senadores. Aí quem manda é Renan Calheiros, o presidente do Senado – que, de aliado, virou rival.
O senador peemedebista dança conforme a música e faz alianças segundo as circunstâncias. Percebeu que a pauta-bomba de Cunha na Câmara inviabilizaria mais do que o ajuste fiscal do governo: afastaria o apoio do empresariado, principal fonte de financiamento em qualquer eleição. Renan costurou mal alinhavado acordo com o governo para votar uma pauta alternativa. E, assim, tornou-se o fiador da permanência de Dilma no cargo.
Há pontas soltas demais para o governo achar que ganhou a batalha, quanto mais a guerra. Em primeiro lugar, a parceria com Renan é tão firme quanto um prego na areia. O senador é alvo da Lava Jato e corre riscos jurídicos. Se achar que tem mais chance de sobreviver do outro lado, saltará de banda – de novo. Além disso, Cunha está baleado, mas continua vivo e ativo na Câmara.
A economia tem grande chance de piorar antes de começar a melhorar. O aumento do desemprego e a perda de poder de compra podem soprar os protestos contra o governo para além do antipetismo. Uma repetição de junho de 2013 – com manifestações diárias, social e geograficamente diversificadas – seria fatal.
Graças a Renan, ao STF e à dificuldade da oposição em replicar o 15 de março, o governo ganhou tempo. Só não se sabe para quê.
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