• Demissões atingem mais perfil típico do chefe de família. Cortes são maiores entre os que ganham de 2 a 5 salários mínimos
Geralda doca, Bárbara Nascimento - O Globo
Às vésperas de completar 40 anos, José Reginaldo Alves já se habituou a receber um não como resposta no ES forço cotidiano para ingressar no mercado de trabalho. Desde que foi dispensado por uma empresa agrícola, há dois anos, onde atuava como encarregado de pessoal, ele nunca mais conseguiu um emprego com carteira assinada. Para sustentar os três filhos, apelou para a informalidade e vive dos serviços que aparecem: um bico como motorista, ou uma ajuda na cooperativa próxima de sua casa, na zona rural de Brasília. Aos currículos entregues, a resposta é sempre a mesma.
— Nem entrevista estão fazendo. Eles dizem que não há vagas e que estão é demitindo. Há mais de dois anos não tenho registro na minha carteira, tenho que me virar com os bicos para completar a renda — conta Alves.
Esse relato reflete as estatísticas do mercado formal de trabalho, que entre janeiro e setembro já perdeu de 657.761 postos. As demissões estão atingindo mais os homens, com idade entre 25 e 49 anos, com ensino fundamental e que ganham entre dois e cinco salários mínimos. Nessa faixa etária, típica do chefe de família, foram registrados 803.606 desligamentos no período, mostra estudo realizado pelo site especializado Trabalho Hoje a pedido do GLOBO, com base nos cadastros do Ministério do Trabalho.
Até 24 anos, ainda há oportunidades
Separado e pai de três filhos — uma menina de 16 anos e dois rapazes, de 18 e 19 —, Alves deseja para eles um destino diferente, dentro da formalidade, com direitos assegurados. Sem a garantia de um salário no fim do mês, ter os mais velhos empregados daria um maior conforto à família. A boa notícia é que, se está difícil para os trabalhadores na faixa de Alves conseguirem uma colocação no mercado de trabalho, seus filhos podem ter mais chances. Esta é uma das conclusões do estudo.
Apesar de a taxa de desemprego entre os jovens ser elevada, a pesquisa mostra que esse é o único segmento que ainda encontra espaço no mercado de trabalho. Seja em vagas de menor aprendiz (entre 14 e 17 anos) ou em outras colocações, os jovens de até 24 anos não perderam empregos com a crise e ainda estão encontrando oportunidades de trabalho. Segundo o estudo, nos primeiros noves meses deste ano, foram criadas 391.740 vagas para jovens de até 24 anos.
O estudante Lucas Alves Mendes se mantém com um emprego de menor aprendiz que conseguiu há quase dois anos. Inscrito em um cadastro de pessoas à procura de emprego, ele não hesitou em aceitar a vaga em um cartório de registro de imóveis do Distrito Federal:
— Assim que fui chamado, ligaram informando que tinha surgido um estágio em uma empresa de engenharia, mas preferi o cartório. Nem fui lá fazer a entrevista.
Lucas trabalha no cartório como auxiliar no arquivo. No fim do ano, o rapaz conclui o ensino médio e planeja cursar Direito para aproveitar a experiência no cartório. Ele conta que, entre os colegas que procuravam uma vaga como jovem aprendiz, a maior parte conseguiu o posto sem grandes problemas. O que falta, segundo ele, é informação e esforço.
— Quem tem um bom encaminhamento e cursos no currículo, consegue ainda com facilidade uma vaga de jovem aprendiz — garante.
Curso superior: saldo positivo
A pesquisa coordenada por Rodolfo Torelly, especialista em mercado de trabalho, comparou a movimentação de admitidos e demitidos em 2015 com o estoque de 40,5 milhões de vínculos existentes em dezembro de 2014, tendo como fonte o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Também foram utilizados dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), que contém informações mais abrangentes, como indicadores de idade, gênero, escolaridade e salário.
— O resultado mostra a onda de demissões provocada pela crise na economia, a substituição de salários maiores por mão de obra mais barata, ao mesmo tempo em que pessoas mais qualificadas estão sendo privilegiadas. Parece contraditório, mas não é — afirma Torelly.
De acordo com o estudo, o desemprego atingiu mais os trabalhadores com ensino fundamental completo, que perderam 416.440 postos no ano. As oportunidades para quem cursou o ensino médio também minguaram. Nessa faixa de escolaridade, foram perdidos 336.787 empregos. Já para quem tem curso superior, ainda que incompleto, foram abertos 23.644 postos de trabalho em 2015.
Graduada em Secretariado Executivo, Vailma Fernandes, de 30 anos, deixou há sete meses o emprego no Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) para se concentrar nos estudos, com o objetivo de fazer concurso para um emprego público. Com os concursos adiados, devido ao ajuste fiscal do governo, ela resolveu voltar ao mercado de trabalho, mas ainda não teve êxito.
— A crise está afetando as empresas, e elas estão mandando gente embora. A gente fica à mercê da economia em crise. Currículo a gente manda todo dia, mas não tem vaga mesmo — diz, desanimada.
O estudo elaborado pela equipe de Torelly mostrou ainda que trabalhadores com salário entre dois e cinco mínimos foram os mais afetados pelos cortes. Nesta faixa de renda, foram perdidos 524.212 empregos este ano. Entre os que ganham acima de cinco salários mínimos, os cortes somaram 153.817. Já na faixa de renda de até dois salários, a perda foi menor: 51.554 postos.
Em um recorte por gênero, o levantamento mostrou que todos perderam empregos, porém, os homens foram os mais afetados, com corte de 492.277 postos. As mulheres perderam 237.306 vagas.
A crise afetou fortemente o chão das fábricas: foram perdidos 287.503 postos na indústria. Mas, em termos relativos, os mais atingidos pelo desemprego são os trabalhadores da construção civil, onde os cortes chegaram a 206.017. Os empregados do comércio também estão sofrendo com a crise, pois o setor eliminou 256.040 postos. Já no caso de serviços, onde foram eliminadas 66.944 vagas no ano, o saldo corresponde a um recuo de 0,40% em relação ao estoque de 2014. A agropecuária é o único setor com desempenho positivo nos primeiros nove meses do ano: mais 91.929 empregos. Mas, como o setor entra no período de entressafra, deverá registrar perdas até dezembro.
Entre os estados, o desemprego está mais localizado em Alagoas, que registrou perda de 10,99% dos postos de trabalho. Rondônia vem em segundo, com redução de 9,89% dos empregos formais, e o Amapá em terceiro, com perda de 9,5% dos postos. O Rio aparece em 13º lugar no ranking dos estados que mais demitiram.
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