Brasileiro busca saída por conta própria
• Recessão triplica número de novos trabalhadores autônomos. Até o fim de 2016, total deve crescer em 1,7 milhão
Daiane Costa - O Globo
A crise que afeta o emprego com carteira assinada está empurrando mais pessoas para o trabalho por conta própria. Nos 12 meses encerrados até agosto, o total de novos trabalhadores autônomos triplicou para 927 mil pessoas, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do IBGE. Nos 12 meses imediatamente anteriores, o acréscimo nesse grupo havia sido de 328 mil. Com isso, o país já conta com um contingente de 22,15 milhões de funcionários sem patrão.
Para especialistas, o aumento de trabalhadores por conta própria tende a avançar em ritmo ainda mais acelerado com a perspectiva de recessão prolongada. Projeção feita pelo economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, indica que até dezembro do ano que vem, 1,74 milhão de pessoas terão passado a trabalhar como autônomas, o que levará este grupo a atingir a marca de 23,5 milhões.
— Ainda deve haver alta no ano que vem, dado que será um novo ano de recessão, com queda de PIB em torno de 1,5% e aumento do desemprego — explica o economista.
Sem benefícios trabalhistas
A migração para esse tipo de emprego é típica de períodos de retração econômica, quando vagas com carteira são destruídas, explica a economista Silvia Matos, da Fundação Getulio Vargas. Nos 12 meses acumulados até agosto, o total de empregados com carteira caiu 3%, o equivalente a menos 1,1 milhão de pessoas sob a proteção dos direitos trabalhistas, segundo a Pnad.
— Houve uma explosão dos conta própria. São pessoas que perderam o emprego e não conseguiram se recolocar no mercado porque a geração de novos postos é inferior à demanda ou que se viram obrigadas a trabalhar para complementar a renda familiar. A tomada de decisão sobre a participação no mercado sempre é baseada na renda da família. Se ela cai, o jovem que só estudava e a dona de casa passam a ter de trabalhar — explica Silvia.
O coordenador de Trabalho e Renda do IBGE, Cimar Azeredo, explica que a taxa de desemprego, de 8,7% em agosto, seria ainda maior caso não tivesse ocorrido esse aumento do trabalho por conta própria:
— Se a pessoa passa a fazer bico ou empreender, isso significa um a menos na fila do desemprego.
O contexto dessa migração, porém, não é favorável, pois ocorre por necessidade e não de forma planejada, avalia o sociólogo do trabalho e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Andre Gambier Campos:
— São pessoas que, de uma hora para a outra, acabam ficando sem benefícios como 13° salário, FGTS, férias, e deixam de ter uma jornada de trabalho definida e de contribuir com a Previdência.
Carlos Henrique Leite Corseuil, economista e diretor-adjunto de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, avalia que o país carece de inovação, e o movimento pode ter algum efeito favorável:
— Quanto mais gente experiente e com alta formação se aventurar nesse mercado, maiores as chances de vermos alguém criando algo novo no país.
Cálculos do Ipea mostram que o grau de informalidade no país chegou em junho a 44,67%, o maior patamar em um ano e meio. Isso significa que quase metade da população ocupada não conta com a proteção de leis trabalhistas. A maior parte desse contingente é formada por trabalhadores por conta própria, mas o dado inclui ainda os sem carteira e os sem remuneração.
Menos vagas, mais consultores
O trabalho sem patrão foi o caminho encontrado pelo engenheiro mecânico João Luis Serpa Rouede, de 48 anos. Depois de 14 anos de trabalho em uma multinacional do setor de bebidas, seu cargo foi extinto em fevereiro. Diante da oferta de vagas com salários inferiores ao que recebia, decidiu atuar como consultor independente:
— As empresas estão se aproveitando da crise para reduzir salários. A consultoria era um desejo antigo. Mas não estou fechado para o mundo corporativo. Minha renda caiu uns 30%. É questão de se readequar. Em vez de ir à Disney, a gente leva os filhos ao cinema para manter a escola, o plano de saúde e as despesas da casa.
Segundo Dino Mocsányi, diretor-geral da Academia de Consultores, que reúne mais de 36 mil profissionais, o número de associados cresceu 25% até outubro, impulsionado por profissionais com ensino superior, mais de 40 anos e desempregados.
— Promovemos entre seis e sete cursos de formação por ano. Em 2015, já estamos no décimo. Há muita gente com um ótimo currículo e sem emprego — diz Mocsányi.
O total de microempreendedores individuais (MEIs) — os conta própria formalizados — está crescendo desde 2014, segundo o Sebrae. Saltou de 3,8 milhões em janeiro daquele ano para 5,45 milhões em setembro último, o que significa alta de 43%, ou mais 1,64 milhão de MEIs.
— Quem se formaliza tem mais oportunidades de negócios porque, com o CNPJ e a emissão de nota fiscal, pode vender a pessoas jurídicas e participar de licitações. As pessoas passam a trabalhar por conta própria por necessidade ou oportunidade. O ideal é que seja por oportunidade. Nesse caso, você tem um tempo para trabalhar o plano de negócios, os passos da formalização e pensar na melhor forma de estruturar o negócio — explica Juliana Bastos Lohmann, analista do Sebrae.
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