quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Luiz Carlos Azedo: O transformismo

• O “transformismo” petista, tanto no governo quanto no parlamento, se esgotou. O resultado é um governo cada vez mais enfraquecido, incapaz de dar respostas aos problemas do país.

- Correio Braziliense

O “transformismo” político é um conceito adotado pelo marxista italiano Antônio Gramsci para analisar a política italiana. Muito estudado na academia a partir dos anos 1980, parece que foi esquecido por boa parte da esquerda após a chegada do PT ao poder, embora o conceito tenha sido incorporado ao acervo instrumental da ciência política não-marxista. Grosso modo, o conceito trata da ampliação pelo establishment de sua classe dirigente, por meio da absorção gradual e contínua dos grupos aliados e mesmo de adversários que pareciam “irreconciliavelmente inimigos”.

Gramsci utilizou o conceito para explicar a fragilidade dos partidos italianos, do Risorgimento até o fascismo de Mussolini. Segundo ele, por meio do “transformismo”, o governo opera como um partido e se coloca acima deles, não para harmonizar seus interesses e atividades de acordo com os interesses nacionais, mas para desagregá-los, separá-los das massas e ter “uma força de sem-partido ligada ao governo por vínculos paternalistas de tipo bonapartista-cesarista”.

Na Itália, em diferentes fases da vida política, personalidades políticas ligadas aos partidos democráticos de oposição se incorporam individualmente à “classe política” conservadora e moderada, culminando com o “transformismo” de grupos radicais inteiros, “que passam ao campo moderado”. Um dos aspectos mais interessantes da análise de Gramsci diz respeito à juventude: “Os jovens deixam-se atrair culturalmente pelos operários, e chegam mesmo a se tornar — ou buscam fazê-lo —seus líderes (desejo ‘inconsciente’ de realizarem a hegemonia de sua própria classe sobre o povo), mas, nas crises históricas, retornam às origens”.

O conceito se encaixa como uma luva para examinar a trajetória do PT no poder. Durante seus dois mandatos, mas principalmente no segundo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se colocou acima dos partidos e estabeleceu uma linha direta com o eleitorado. Retirou do Congresso a grande política e abduziu o seu papel de representação dos diversos setores da sociedade, cujos interesses passaram a ser negociados diretamente com o Palácio do Planalto. Coube aos partidos da base aliada um papel meramente homologatório, enquanto a oposição, isolada e sufocada pela pequena política, esperneava.

Os quadros do PT no governo operavam um sistema de forças que se articulava de forma perversa. Com os agentes econômicos, pela intermediação de negócios; com os atores sociais, pela cooptação de lideranças. De certa forma, devido à inapetência da presidente Dilma Rousseff para gerenciar a política como Lula o fazia, o sistema começou a dar sinais de fadiga logo no primeiro mandato dela. Dilma não conseguiu se colocar acima dos partidos e, simultaneamente, comandá-los. Virou um sputnik.

À incapacidade de operar a ampla coalizão de governo somaram-se a crises econômica, resultado de erros sucessivos do governo no primeiro mandato, e ética, desnudada pela Operação Lava-Jato no começo do segundo. Com o escândalo de corrupção na Petrobras, também se esgotou a principal fonte de financiamento de sua política de alianças e, com isso, entrou em colapso o sistema de poder.

Sem volta
O “transformismo” petista, tanto no governo quanto no parlamento, se esgotou. O resultado é um governo cada vez mais enfraquecido, incapaz de dar respostas aos problemas do país. O esquema de financiamento de sua hegemonia, que se sustentava no desvio de recursos públicos, virou caso de polícia. Além da desagregação da coalizão de governo, que a recente reforma ministerial não conseguiu recompor, a base eleitoral petista foi volatilizada em razão das consequências sociais do ajuste fiscal e dos desgastes provocados pelos escândalos de corrupção.

É nesse contexto que a operação deflagrada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para substituir o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles precisa ser compreendida. Para manter sua base eleitoral, cada vez mais reduzida, o petista tenta reconstruir a identidade perdida devido ao “transformismo”. É preciso que o atual ministro Levy seja responsabilizado pela recessão e o desemprego, como se o ajuste fiscal fosse um equivocado desvio de rota do governo Dilma, e não a consequência lógica dos erros cometidos.

Uma guinada populista, com expansão do crédito consumidor e uma corrida aos financiamentos externos por governos estaduais e prefeituras, que estão à bancarrota, seria uma maneira de conter, momentaneamente, a recessão, não importa que a manobra tenha fôlego curto e possa levar o país a consequências ainda mais graves. É a mesma estratégia adotada na eleição passada, na qual a economia foi manipulada para manter o PT no poder e eleger Dilma Rousseff. O problema é que o “transformismo” é um caminho sem volta.

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