Hoje, os senadores terão a oportunidade de atuar de maneira decisiva na formulação da política econômica sem depender do Executivo e pairando sobre a politicagem que tem dominado os debates parlamentares. Haverá uma votação decisiva na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) parada há 15 anos, e que o senador tucano José Serra, como relator, tenta votar: fixar limite para a dívida consolidada da União.
Desde 2000, com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, tais limites foram aplicados apenas às dívidas dos governos estaduais e municipais. O governo do PT sempre sabotou e impediu o avanço do mesmo limite para a esfera federal, ora proposto para 4,4 vezes da Receita Corrente Líquida. Em julho deste ano, o valor da dívida atingiu 5,6 vezes o valor da RCL, equivalente a mais de 70% do PIB.
Pela proposta de Serra, será concedido um período de transição de 15 anos para que a União reduza a dívida para o patamar de limite previsto no projeto, que complementa a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em audiência na última quarta, o economista José Roberto Afonso, um dos autores da LRF, defendeu a tese de que não fixar o limite seria uma forma de limitar o Senado, pois, afinal, a Constituição de 1988 delegou tal competência exclusiva a ele. Não votar é o mesmo que se autolimitar.
Paradoxalmente, senadores que se dizem esquerdistas atacam o projeto, mas sem ele, na prática, continua valendo a Constituição de 1967, pois, afinal, os militares defendiam controle para outros governos, mas jamais aceitavam o mesmo para si, argumentou José Roberto Afonso. A democracia ainda não chegou à dívida pública, e, pateticamente, manifestos de esquerdas atacam Serra, que tenta regulamentar de forma bem moderada.
Ele sugere trajetória de 15 anos para enquadrar as contas do governo, mas permite que nos 5 primeiros anos ainda haja aumento de gasto. Quer dizer, Serra ainda dá licença para desajustes no governo Dilma, porque serão inevitáveis diante da recessão e dos juros altos, e ainda assim burocratas da equipe econômica reclamam que a trajetória seria apertada.
O fundamental é que o ministro Joaquim Levy, presente à última reunião, deu apoio à proposta. Assessores alegaram depois que ele não disse que concorda com o número. É como se ele pudesse apoiar a CPMF, mas não com a alíquota de 0,2% proposta na emenda do governo, ironiza José Roberto.
A Constituição trata de “dívida consolidada”, definida na Lei de Responsabilidade Fiscal, que faculta ao Senado limitar também “dívida líquida”. “Art. 30. § 2o As propostas mencionadas nos incisos I e II do caput também poderão ser apresentadas em termos de dívida líquida, evidenciando a forma e a metodologia de sua apuração”.
A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê que o governo, em caso de instabilidade econômica ou alterações nas políticas monetária ou cambial, pode encaminhar ao Senado solicitação de revisão dos limites (art. 30, § 6o). Em caso de calamidade pública, suspende-se a contagem de prazo para retorno da dívida ao limite (e, portanto, a proibição de novo endividamento e a obrigatoriedade de obter superávits primários necessários à recondução da dívida ao limite) (art. 65).
Os prazos para ajustamento da dívida ao limite serão duplicados em caso de crescimento do PIB abaixo de 1% ao ano (art. 66, caput), que é o nosso caso este ano e possivelmente o próximo. Em caso de mudanças drásticas nas políticas monetária e cambial, reconhecidas pelo Senado, o prazo de recondução da dívida ao limite poderá ser ampliado em até 16 meses (art. 66, § 4o).
Mesmo com todas essas ressalvas, e protegida por elas nos próximos anos, a equipe econômica reage à limitação da dívida pública, ecoando o pensamento de Dilma, que já disse certa vez que “gasto é vida”.
Embora esteja empenhada na contenção de gastos neste seu segundo mandato, diante da crise econômica que seu primeiro governo desencadeou, a presidente Dilma parece não estar disposta a ser obrigada a manter limites oficiais à dívida pública.
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