- O Globo
Primeiro passo de Macri é resgatar a confiança na economia. O presidente eleito da Argentina, Maurício Macri, terá um duro trabalho pela frente para tirar o país da crise. Ao fazer um movimento para resolver um problema, piorará outro. A desvalorização do peso elevará ainda mais a inflação. A suspensão do controle cambial pode esgotar as poucas reservas que tem. Seu maior aliado será a volta da confiança, depois de uma década de políticas econômicas equivocadas.
A Argentina está com inflação alta, câmbio artificial e controlado, tarifas reprimidas, economia estagnada, falta de reservas cambiais, conflitos com os credores, déficit nas contas públicas. Por isso, a principal pergunta ontem na primeira entrevista era sobre o nome do ministro da economia. Macri avisou que cinco ministros farão parte do conselho econômico. Evidentemente, o ministro da Fazenda será o decisivo neste conselho, mas o que ficou claro é que não haverá um superministro.
Além da estagnação com inflação elevada, em torno de 30%, o país enfrenta uma crise cambial. Precisa controlar a compra interna de dólares, sob pena de queimar o pouco que resta de suas reservas. Há quatro anos, quando Cristina Kirchner tomou posse no seu segundo mandato, o Banco Central argentino tinha US$ 47,8 bilhões de reservas. Hoje, tem US$ 25,3 bi. Desde janeiro, as reservas caíram 17%. Se for excluído o empréstimo concedido pela China e o que a Argentina terá que pagar a credores, o número cai para US$ 4 bilhões, segundo a equipe de análise do Itaú Unibanco.
O governo de Cristina Kirchner vinha tentando conter a desvalorização do peso, para não pressionar ainda mais a inflação em ano eleitoral. O país não tem acesso a crédito, porque está fora do mercado, e também sente os efeitos da queda dos preços das matérias-primas. Há menos entrada de dólares, seja pela via comercial, seja pela via financeira.
O economista-chefe para América Latina do Banco BNP Paribas, Marcelo Carvalho, explica que o ajuste será duro. Além da desvalorização da moeda, terá que acabar o represamento de preços públicos,
principalmente na energia elétrica. Outro ponto crucial é conseguir um acordo com os credores da dívida.
— O novo presidente precisa negociar com os chamados holdouts. Isso é essencial para que o país volte a ter acesso ao mercado, possa se financiar, e atenuar a crise cambial — explicou Carvalho.
A equipe de análise do Itaú Unibanco espera uma desvalorização do peso em torno de 20% até o final do ano. Por isso, a projeção para inflação subiu para 32% em 2016, dos atuais 28%. A estimativa para a taxa de juros também foi elevada, de 23% para 30%, o que fará o país ter uma recessão de 0,5% no ano que vem, depois de estagnação este ano.
Outro desafio do novo presidente é resgatar a credibilidade dos números, depois de anos de intervenção no instituto de estatísticas, o Indec. O mercado tem indicadores sempre diferentes, seja para o crescimento, seja para a inflação na Argentina. Recentemente, o governo argentino lançou um novo índice de inflação que aproximou a taxa oficial dos cálculos feitos pelo mercado. Mesmo assim, será preciso ter mais transparência e independência no instituto oficial.
Uma grande preocupação dos economistas argentinos é a crise brasileira. O Brasil é o principal parceiro comercial do país e grande comprador de produtos industriais. Com a nossa recessão, haverá menos demanda por produtos argentinos, o que vai dificultar a recuperação.
Há um desentendimento com o Brasil com hora para acontecer. Durante o último debate, Maurício Macri disse que defenderia a suspensão da Venezuela do Mercosul por descumprimento da cláusula democrática. E perguntou se o candidato do governo assumiria o mesmo compromisso. Agora que ganhou, Macri terá que levar adiante o que apresentou ao adversário como desafio. Ontem, na primeira entrevista, ele reafirmou o que havia dito.
Macri terá pela frente uma conjuntura difícil. Mas, se conseguir injetar otimismo, terá meio caminho andado. Há exportações contidas, à espera de uma nova taxa de câmbio e da redução dos impostos sobre exportação que foram criados pelo governo Kirchner. Só isso já ajudaria a aumentar a entrada de dólares. A grande vantagem de Macri é que ele pode propor mudanças porque foi eleito para isso.
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