A aceitação de pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) deixa o horizonte político e econômico com visibilidade zero. A forte queda do dólar e a alta expressiva da bolsa indicam que a impressão imediata dos investidores foi a de que a perspectiva de resolução de um impasse que parecia interminável e paralisante poderá ter solução. Ou a presidente recupera plena capacidade de governar, volta a ter o poder de aglutinação da maioria no Congresso, ou os descontentes, que são muitos, encontram força política necessária para tirá-la do poder e dão outros rumos ao país.
O governo tentou até onde foi possível um acordo com Cunha, com apoio do ex-presidente Lula, pagando um preço caro demais por isso. Com sua carreira política e liberdade em risco, um desmoralizado Cunha fez as manobras que quis contra o governo. Para o Planalto, a aceitação de sua permanência no cargo foi encarada como essencial à sobrevivência. Com o colapso da economia, de seu apoio político e de sua popularidade, a presidente Dilma não resistiria à tentativa de impeachment. Nessa contabilidade desesperada de perdas e ganhos, favorável a Cunha, dificilmente as vantagens apareceriam. A única carta de Cunha era a ameaça permanente dos pedidos de impeachment. Isso ruiu com a rebeldia de três deputados petistas da Comissão de Ética.
Em uma condição surreal, onde um deputado sob pesadas suspeitas de corrupção comanda a Câmara, joga sucessivas bombas no colo do governo, arregimenta oposição a seus projetos e ainda é temido e protegido pelo próprio Planalto, a base governista caminhou para a dissolução e a entropia. Projetos vitais para o ajuste da economia foram suavizados e ainda pagaram pedágio com os custos trazidos pelos "jabutis" de lobbies enxertados nas medidas aprovadas no Congresso. Com Cunha no comando da fuzarca na Câmara, o governo não tinha nenhum futuro, embora achasse que sim. Acuado pela Lava-Jato, ele se tornou um alvo mais frágil. O Planalto perdeu a chance de enfrentá-lo e desarmar as ameaças no voto. Agora terá de fazê-lo em piores condições, em um processo de impeachment.
Com o início do ritual do impeachment, o cenário pode se mover em várias direções. O vice-presidente Michel Temer tende a ser um dos centros de gravidade da crise. Temer não controla os rebeldes do PMDB e do baixo clero, sob comando de Cunha, mas tem boa interlocução com os pemedebistas que aceitaram jogar o jogo governista. Com os primeiros francamente adversários do governo petista, o afastamento de Temer em relação a Dilma, sinaliza que ele pode levar a ala governista do PMDB e a maior parte da legenda a abandonar o barco e ajudar a afundá-lo. O calendário para isso era março e foi adiantado pelos acontecimentos. Temer tem mais do que nunca a chance de assumir o poder. Não fará nenhum movimento, porém, se não tiver a confiança de que a presidente Dilma possa sobreviver ao processo e de que tem um grande apoio extrapartidário para chegar à Presidência.
A oposição, que já rasgara seu programa para acuar o governo e adular Cunha, não tem por si forças para apear Dilma do poder. Com o PT atônito e o PMDB à espreita, PSDB e seus aliados podem ter nas manifestações de rua, como as do início do ano, sua arma mais potente para tentar convencer a maioria indecisa do Congresso a apoiar o impeachment.
Embora a situação calamitosa da economia e o baixo apoio do governo no Congresso criem condições para o impeachment, nem por isso ele é uma fatalidade. Uma longa batalha judicial será travada, pois os motivos alegados para o impedimento são muito frágeis. Pedaladas ocorreram em vários graus em diversos governos, é certo que com menos intenção e intensidade do que agora. Também não foi Dilma que criou o expediente de autorizar créditos suplementares em meio a contas deficitárias. E não há um indício até agora que a aponte como beneficiária material dos escândalos de corrupção que se sucederam nas gestões petistas.
O atual desastre econômico é obra de sua autoria, e inépcia não é um critério válido para o impedimento - a menos que a esmagadora maioria das forças políticas e o movimento das ruas julguem que sim. Consenso e mobilização não são o forte de um Congresso desmoralizado e impopular. O pedido de impeachment é um tiro no escuro.
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