- O Globo
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, não tem legitimidade para comandar um processo tão grave quanto o impeachment. A presidente Dilma Rousseff tem feito uma gestão temerária da economia e infringiu a lei fiscal várias vezes durante os anos que governou, inclusive no mandato atual. Não há saída boa para a crise em que o Brasil se encontra.
Impeachment não é golpe se forem respeitados os requisitos legais, e para zelar pela Constituição estará vigilante o Supremo Tribunal Federal. O que torna o presidente da Câmara a pessoa errada para comandar um processo com essa delicadeza é o fato de que ele é investigado em inquéritos na Procuradoria-Geral da República e pode se tornar réu a qualquer momento, bastando para isso o STF acolher a denúncia.
Como uma pessoa sobre a qual pairam tantas dúvidas pode dar início ao processo que vai decidir o destino do mandato presidencial? De qualquer lado que se esteja na arena política brasileira é forçoso admitir que Cunha não tem as credenciais mínimas para estar à frente de um processo que, mesmo sendo constitucional, é traumático.
O STF vai dizer se o ponto no qual se baseia o pedido dos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e da advogada Janaína Paschoal tem sustentação jurídica para um impeachment. Pode parecer pequeno o fato de a presidente ter liberado despesas de R$ 2,5 bilhões sem antes pedir autorização ao Congresso, mas isso é apenas um flagrante do que virou rotina: descontrole fiscal e desrespeito às leis que sustentam a estabilidade da moeda.
Esses decretos de gastos sem autorização do Congresso não aconteceram por acaso. Fazem parte de um contexto de desprezo à estabilidade que produziu uma inflação de 10%, uma recessão de mais de 3%, e um pedido de permissão do governo para fechar as contas com um rombo de R$ 120 bilhões. O déficit nominal no período Dilma saiu de 2,5% do PIB para mais de 9%. Não é esse panorama deplorável que sustenta o pedido de impeachment, mas o ponto levantado pelos juristas é reflexo dessa administração que arruinou a economia e desse desprezo por leis fiscais que produziram, entre outras aberrações, as pedaladas.
Um processo de impeachment eleva a incerteza, elemento que produz paralisia decisória nas empresas. Portanto, o que está acontecendo no Congresso vai piorar a crise brasileira. As empresas vão suspender qualquer decisão que puder ser adiada de investimento e de novos negócios.
A comemoração de ontem no mercado financeiro é temporária. Como subiu, pode voltar a cair. O tempo é de volatilidade. Este primeiro sentimento dos investidores, no entanto, revela como a gestão petista nas estatais é vista como prejudicial. As empresas perderam valor de mercado nos últimos anos, especialmente a Petrobras, pelas intervenções políticas que vão da manipulação dos preços à deslavada corrupção.
Má gestão de estatais ou a péssima conjuntura econômica não são motivos para se depor um presidente. Basta ver a crise criada pelo Plano Collor que precipitou o país numa recessão de tamanho ainda não superado, mas que, apesar disso, não foi a razão da sua queda. O ex-presidente caiu Collor por outros motivos.
Quando a presidente Dilma diz que não pairam dúvidas sobre seus bens e afirma não ter contas no exterior ela convence, porque de fato nunca houve indícios nesse sentido. Mas há dúvidas razoáveis de que dinheiro desviado da Petrobras foi parar em sua campanha. Alguns dos que falaram durante os interrogatórios da Lava-Jato afirmam isso. Essa é a sombra que paira e que pode vir a se confirmar ao longo das investigações. Mas, de novo, não é por essa suspeita que a presidente está tendo seu mandato em discussão.
O ponto é que existem muitas razões para se reprovar o governo Dilma: arruinou a economia, desrespeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal ao pegar empréstimos em bancos estatais, descumpriu a lei quando aprovou decretos de aumentos de gastos sem prévia autorização do Congresso, há dúvidas sobre a origem de dinheiro que financiou sua campanha.
Mas quando o líder desse processo é o deputado sobre o qual pesam tantas suspeitas o país entra numa zona de sombras. A presença de Cunha na presidência da Câmara é hoje o maior fator de instabilidade institucional.
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