• Pesquisa Datafolha mostra degradação acentuada da avaliação de Dilma, Alckmin e Haddad; governantes precisam mudar de conduta
Um surto de irritação degradou a opinião dos brasileiros a respeito de seus governantes a um nível de desprestígio ainda maior que aquele registrado em junho de 2013.
Trata-se, porém, de um junho invisível, de uma crítica que não sobreveio do debate que emanou dos protestos nas ruas, mas da súbita consciência da extensão e das consequências das mentiras da campanha eleitoral. É o que revela pesquisa Datafolha publicada hoje.
O colapso da confiança transparece em particular nas expectativas econômicas, que se deterioraram de modo veloz e inédito em quase 20 anos de registros do instituto.
O sentimento de desesperança e desaprovação vem acompanhado de perigoso descrédito do poder público. A maioria da população afirma que as autoridades mentem a maior parte do tempo ou omitem informações essenciais.
Ao fim da campanha eleitoral do ano passado, os ânimos exaltados desde meados de 2013 pareciam desanuviar-se. O prestígio da presidente Dilma Rousseff (PT), do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e do prefeito da capital paulista, Fernando Haddad (PT), recuperava-se no interregno de otimismo dos dias da votação.
Quando da reeleição, somente 20% dos eleitores tinham o governo Dilma como ruim ou péssimo. Ainda no início de dezembro, não se percebia, pelos dados do Datafolha, deterioração de sua imagem, exaltada no mundo mágico da propaganda política.
Agora, quando a vida real bateu à porta, 44% do eleitorado considera ruim ou péssima a gestão da petista, número que impressiona de duas maneiras. Primeiro, é muito pior, para Dilma, do que o verificado em meados de 2013, quando sua desaprovação saltou para 25%. Talvez mais importante, essa fatia dos entrevistados supera a dos que aprovam seu governo, meros 23% de ótimo e bom.
Em condição bem melhor que a da petista, Geraldo Alckmin viu sua avaliação positiva cair dez pontos (38% de ótimo/bom), numa situação semelhante à registrada em junho de 2013. Também Fernando Haddad sentiu efeito parecido: a parcela que reprova sua administração passou de 28% para 44%.
Dificilmente a imagem dos governantes terá sido arruinada por questões como corrupção na Petrobras, formação de um ministério medíocre, falta de água em São Paulo ou polêmicas urbanísticas paulistanas --a população já se deparava com elas em 2014.
A irritação deriva do fato de que o eleitorado se deu conta do engodo de que foi vítima e do custo social e econômico do embuste.
Eleitos em outubro, Dilma Rousseff e Geraldo Alckmin não tardaram a desmentir, na prática, o que vinham afirmando enfaticamente.
Vieram as medidas econômicas amargas, represadas pela demagogia irresponsável. Subiram as taxas de juros e anunciaram-se aumentos brutais do preço da eletricidade; houve reajuste na tarifa de metrô, trens e ônibus; despesas sociais foram cortadas, enquanto o governo Dilma encaminhava a elevação da carga tributária.
Tal saraivada traduz incúrias velhas e novas no trato das contas públicas, da infraestrutura de serviços, da inflação. A fatura dos descasos de anos e das manipulações promovidas em períodos eleitorais começou a chegar na vida cotidiana. O cidadão compreendeu o logro e calcula seus efeitos.
Não é de admirar a revolta.
No âmbito estadual, de forma dissimulada e parcial, o governo de São Paulo reconhece a gravidade da crise da água. A frustração das últimas esperanças de que haveria chuvas suficientes em janeiro e um apagão energético insuflaram o sentimento de crise.
Para 60% dos entrevistados pelo Datafolha, Dilma disse mais mentiras do que verdades na campanha eleitoral; no caso de Alckmin, são 44%, embora na capital seu descrédito seja maior: 57%. Além do mais, para 81% da população paulista, o governo divulga apenas as informações sobre a crise da água que são de seu interesse.
Os cidadãos têm visão realista do cenário, ao contrário do que se passa com os governantes. Para 65% dos entrevistados pelo país, é o caso de dar início ao racionamento de energia; entre os que foram ouvidos na região metropolitana de São Paulo, 60% são a favor do rodízio do fornecimento de água.
No que respeita à economia, os brasileiros estão alarmados como nunca nos últimos 20 anos. A inflação vai subir, de acordo com a opinião de 81% dos entrevistados. O medo do aumento do desemprego afeta 62% dos cidadãos --não era tão grande desde junho de 2001, quando a taxa de desemprego era o dobro da atual, pelo menos.
Tais números não traduzem a situação presente do emprego nem representam uma estimativa refletida da inflação, mas mostram que o brasileiro desiludido percebe o efeito que as medidas econômicas e a escassez de energia terão na sua vida e na atividade do país: um choque de desconfiança.
No conjunto, os números da pesquisa Datafolha revelam um cidadão frustrado e irritado, mas ainda assim capaz de perceber com mais clareza e responsabilidade do que os governantes a necessidade de implementar medidas de contenção das diversas crises.
Brasileiros que, na maioria, optam por decisões realistas, se tratados com respeito democrático; isto é, se bem informados, se não são privados do direito de debate das questões públicas. De outro modo, como agora, manifestam sua revolta por terem sido enganados.
A pesquisa traz um alerta claro.
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