• A opção esperada era o alinhamento da nova diretoria da Petrobras com a nova orientação da economia. Decidiu-se fazer o contrário
- Correio Braziliense
No Livro de Jó, do Antigo Testamento, o Leviatã é descrito como um gigantesco monstro aquático. Ninguém poderia afrontá-lo e sair com vida. Deus assim o descreve no diálogo com Jó: “Quando se levanta, tremem as ondas do mar, as vagas do mar se afastam. Se uma espada o toca, ela não resiste, nem a lança, nem a azagaia, nem o dardo. O ferro para ele é palha, o bronze, pau podre.” A imagem bíblica serviu de inspiração para O Leviatã, de Thomas Hobbes (1587-1666), obra seminal da moderna teoria do Estado, escrita durante a guerra civil na Inglaterra e publicada em 1661.
Hobbes parte do princípio de que os homens são egoístas e que o mundo não satisfaz todas as suas necessidades. No chamado estado natural, sem a existência da sociedade civil, há necessariamente competição entre os homens pela riqueza, segurança e glória. A luta que se segue é a guerra de todos contra todos, não pode haver comércio, indústria ou civilização, e a vida do homem é solitária, pobre, suja, brutal e curta.
A existência de um “contrato social” em que o Estado deteria consigo todo o poder da sociedade é a garantia da paz e da defesa comum dos indivíduos contra o caos e as guerras. Essa é a gênese do Estado absolutista — no qual todos se tornam súditos e o soberano, representante da vontade do povo, detentor da autoridade delegada pelos homens —, que operou a transição do feudalismo para o mercantilismo e a formação dos impérios modernos.
A presidente Dilma Rousseff, como os velhos jacobinos e os nossos castilhistas, acredita que o Estado pode tudo. Na juventude, sonhou que a tomada do poder pelas armas seria o bastante para se chegar ao paraíso. Com a anistia e a redemocratização do país, fez carreira política no poder instalado, primeiro em Porto Alegre, depois em Brasília. Tem todos os motivos para acreditar nisso: assim chegou ao Palácio da Alvorada, onde reside. Venceu duas eleições presidenciais, é bem verdade, mas atalhou o caminho pela força do Estado. Sem ele, de nada adiantaria o prestígio eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não seria nem sequer candidata.
Essa concepção, na sua essência, tem uma matriz autoritária; golpista, sim, pois pressupõe uma vontade acima e alheia à opinião pública, cuja importância só é levada em conta nas eleições para ser manipulada pelo marketing. Essa é a única explicação plausível para a decisão de nomear um bancário do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, para o comando da Petrobras. Um quadro cascudo da alta burocracia petista, que não tem medo de crises de imagem nem de denúncias, mas sem nenhuma experiência na área de petróleo e gás.
A fortaleza
Não foi uma decisão desprovida de senso lógico, muito pelo contrário. Com o preço do petróleo em baixa, a exploração do pré-sal em grandes profundidades foi para as calendas; com o escândalo da Lava-Jato, os grandes projetos de ampliação da planta instalada de refino estão paralisados. As prioridades são a contabilidade da estatal, cujo balanço precisa ser maquiado, auditado e publicado, e uma negociação complicada com o mercado financeiro, uma vez que os acionistas minoritários estão em pé de guerra. No exterior, já pululam as ações judiciais; suspeita-se que houve uma milionária jogada financeira na Bolsa entre sua escolha e o anúncio dessa decisão porque alguém passou do bizu.
Mas tem também a necessidade de preservar o projeto de poder do PT e o modelo de capitalismo de Estado que entrou em xeque com o fracasso da “nova matriz econômica” e a volta do “mais do mesmo” — câmbio flutuante, meta de inflação e superavit fiscal — do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A opção esperada era o alinhamento da nova diretoria da Petrobras com a nova orientação da economia. Dilma decidiu fazer o contrário: transformar a estatal e todo o arranjo industrial que a cerca numa fortaleza inexpugnável do seu Leviatã contra o mercado.
A imagem do monstro bíblico vem de novo a calhar porque serve de conceito para um estudo dos economistas Aldo Musacchioo, professor da Harvard Business Scholl, e de Sérgio G. Lazzarini, do Insper — Instituto de Ensino e Pesquisa, intitulado Reinventando o capitalismo de Estado (Portgfolio/Penguin). É um estudo comparado, com foco especial no Brasil, no qual são conceituadas três modalidades de Leviatãs ou, digamos, de “matriz econômica”: o empreendedor, o acionista majoritário e o acionista minoritário. Temos as três: respectivamente, a Eletrobras, a Petrobras e a Vale.
Mas o “case” de destaque do livro é a JBS, que se tornou a potência global do mercado de carne e frango num passe de mágica, com dinheiro do BNDES. Doou ao todo R$ 352 milhões nestas eleições, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos quais R$ 69,2 milhões foram destinados à campanha de Dilma à reeleição. Também desembolsou R$ 61,2 milhões aos postulantes a uma vaga na Câmara dos Deputados e R$ 10,7 milhões aos candidatos ao Senado. É ou não é para acreditar no Livro de Jó?
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