- O Estado de S. Paulo
As imagens da presidente Dilma Rousseff andando de bicicleta, com capacete e tudo, remetem a dois tempos. Um, mais antigo, quando o então presidente Fernando Collor disparava por aí de moto, corria no Central Park, catava lixo na praia, essas coisas de garotão de bem com a vida. Outro, bem atual, quando o próprio primeiro governo Dilma recorria a “pedaladas” para encobrir a realidade fiscal e driblar o desequilíbrio das contas.
Mas vamos olhar com mais boa vontade as fotos de Dilma pedalando por Brasília, algo simpático, programado para ajudar na dieta fulminante e na “humanização” da figura presidencial. Certamente, Dilma tem todo o direito de sair de moto de vez em quando, de curtir o domingão em cima de uma bicicleta. Afinal, presidente ou não, ela é gente como a gente. E, com tantos problemas de todos os lados, bem que precisa espairecer.
O que não pode é a assessoria da presidente achar que uma simples pedalada não fiscal vai ajudar a fechar contas políticas que não fecham. Uma bicicleta é uma bicicleta. E, assim como o marketing até vence eleições, mas não muda a realidade, uma bicicletada dominical não apaga o rastro de problemas que Dilma, Lula e o PT criaram para Dilma, Lula e o PT. Nem melhora o humor dos “aliados”.
Enquanto a presidente curtia sua bike, os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha – sempre eles! –, já se apressavam para jogar mais cascas de banana no caminho de Dilma. A redução da maioridade penal é, definitivamente, uma questão da maior gravidade, mas não é um programa de governo e não gera um confronto entre Congresso e governo, mas entre PMDB e PT. Já a Lei de Responsabilidade das Estatais atinge diretamente o Planalto, coração do Executivo.
Eduardo Cunha usa a questão da maioridade penal para espicaçar o PT, já que ameaça votar logo em junho e recorrer a consultas populares – que, infelizmente, dão ampla margem de apoio à redução. O Planalto reage usando a questão para criar uma ponte com a oposição, sobretudo com o PSDB, ao defender o projeto alternativo do senador Aloysio Nunes Ferreira, que endurece as penas para crimes graves. Seria uma forma de Dilma tirar proveito da situação para dividir a oposição: a formal, tucana, de um lado; a real, pemedebista, de outro.
A questão central para o governo, porém, é a do projeto das estatais que, em resumo, reduziria o poder do Planalto para gerir e para nomear os diretores de empresas estatais e bancos públicos, como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES e, óbvio, a Petrobrás, apontada como símbolo, e como troféu macabro, do aparelhamento das estatais na era PT. Maioridade penal é um tema da sociedade; gestão de empresas e bancos públicos é um tema do interesse direto do governo – além de ser, também, da sociedade.
Pelo projeto articulado em conjunto por Renan e Cunha, os dirigentes dessas instituições terão de passar por sabatinas no Senado, como já ocorre com ministros do Supremo Tribunal Federal, diretores das agências reguladoras e embaixadores do Brasil no exterior. Não custa destacar o enorme senso de oportunidade dos dois pemedebistas, que lançam a ideia algumas semanas após a aprovação a toque de caixa da Lei da Bengala, que retirou de Dilma a prerrogativa de indicar cinco ministros do Supremo, e apenas alguns dias depois de os senadores vetarem o embaixador indicado por Dilma para a OEA, Guilherme Patriota. Se eliminou Patriota, quantos presidentes de BB, CEF, Petrobrás... o Senado poderá eliminar?
Assim, a presidente passa a ideia de estar feliz e seus assessores apostam que o pior da crise já passou, mas isso pode ser mais um típico autoengano de quem ocupa o poder. Se depender de Renan e de Cunha, logo do PMDB, logo do Congresso, a crise continua. Nem o escândalo da CBF pode camuflar essa realidade, quanto mais uma mera bicicleta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário