• Os “donos” da bola não assumem que seus verdadeiros objetivos estão muito distantes do espírito esportivo do Barão de Coubertin. As entidades esportivas padecem dos mesmos males da nossa política: fisiologismo, nepotismo e patrimonialismo.
- Correio Braziliense
Nas democracias ocidentais, grosso modo, há duas grandes definições de dualidade política: uma é a clássica divisão entre direita e esquerda, tão enfatizada pelo jurista italiano Norberto Bobbio, que vem da Revolução Francesa; a outra, tem origem no Segundo Império Alemão e na República de Weimar, é de autoria do alemão Max Weber, um dos pais da sociologia moderna, e separa a política entre os que a vêem como “negócio” e aqueles que a vêem como “bem comum”.
No Brasil, como tudo é mitigado, a direita não se assume como tal, a esquerda no poder adotou o programa social-liberal e todos os políticos dizem defender o bem comum. Ninguém admite que faz política como negócio, embora nos bastidores do Congresso não se faça outra coisa.
É mais ou menos o que também acontece com o futebol, a nossa grande paixão nacional, e com os demais esportes olímpicos, onde a política e os negócios se misturam. Os “donos” da bola não assumem que seus verdadeiros objetivos estão muito distantes do espírito esportivo do Barão de Coubertin. As nossas entidades esportivas padecem dos mesmos males da nossa política: fisiologismo, nepotismo e patrimonialismo. Mas tudo pode ser ainda pior.
Existe um engessamento do sistema partidário brasileiro, que obstrui a renovação e desconsidera a maioria da sociedade, mas as nossas eleições são democráticas e à prova de fraudes, o voto popular ainda consegue se impor diante do poder econômico nas eleições majoritárias. Nos esportes, porém, o sistema é completamente dominado pela cartolagem, atletas não têm direito de voto, a transparência não existe e a situação da maioria dos clubes é calamitosa. A democracia não chegou ao esporte, cuja estrutura atual é um entulho autoritário, tomado por relações mafiosas.
Sim, o futebol e outras modalidades são tratados como grandes negócios pelos cartolas. Essa é uma realidade da qual não se pode mais escapar, porque o esporte como entretenimento foi globalizado e virou uma indústria poderosíssima, que produz conteúdos multimídia para todos os veículos de comunicação de massa. A televisão a cabo, por exemplo, não seria capaz de ocupar sua grade de programação sem o esporte.
Na era digital, oferece beleza, criatividade, emoção, sensualidade e outros atributos positivos que o marketing esportivo procura associar aos bens de consumo de toda sorte, do material esportivo aos automóveis, dos alimentos à perfumaria. Seja pela promoção de eventos ou torneios, seja pelo apoio e patrocínio a clubes esportivos, grandes empresas e marcas líderes privilegiam o esporte, seus melhores atletas e clubes, para vender seus produtos. E a mídia, de um modo geral, tem no esporte conteúdo de produção relativamente barata e uma fonte quase inesgotável de financiamento.
O padrão Fifa
Os Estados Unidos lideram esse negócio, especialmente no basquete, futebol americano, beisebol e hóquei, com bilionárias ligas nacionais; seguido pelo futebol europeu, sobretudo o inglês, o espanhol e o italiano. No Brasil, o esporte também já é um grande negócio, mas padece de uma visão amadorística de dirigentes esportivos e empresários.
Os escândalos envolvendo clubes, federações, empresas de marketing esportivo e até atletas e treinadores são a prova de que ainda estamos no estágio da “acumulação primitiva”. Mesmo assim, nos projetamos como protagonistas do esporte globalizado, com a realização da Copa do Mundo de Futebol, no ano passado, e as Olimpíadas do Rio de Janeiro, marcadas para o próximo ano.
O escândalo da Fifa lança um foco de luz sobre o submundo desse grande negócio e suas relações com a política. Na medida em que o futebol começou a ganhar popularidade nos Estados Unidos, as autoridades americanas passaram a investigar seu modus operandi, o que resultou na prisão de sete dirigentes da Fifa, entre eles o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol, José Maria Marín.
Ontem, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, que havia sido reeleito pela quinta vez no sábado, renunciou ao cargo e convocou novas eleições para a entidade. Depois de acusar os Estados Unidos de tentar interferir indevidamente nas eleições da entidade, com o apoio ostensivo do presidente russo, Vladimir Putin — em razão da Copa do Mundo de 2018, que será realizada na Rússia —, Blatter jogou a toalha: soube que está realmente sendo investigado pelo FBI, que dispõe de ilimitado poder de fiscalização sobre operações financeiras realizadas nos Estados Unidos ou por empresas com sede naquele país, em qualquer lugar mundo.
Não será surpresa, portanto, se o atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, acabar no olho do furacão. O senador Romário está em vias de instalar a CPI que vai investigar a CBF e vibrou com a renúncia de Blatter. A presidente Dilma Rousseff já mandou recado de que Del Nero não conta com seu apoio. O cartola era homem de confiança de Marín e apoiou a reeleição de Blatter.
A pedido do FBI e da Interpol, a Polícia Federal já investiga dirigentes, empresários e empresas envolvidos no escândalo. Pode ser que isso resulte numa reforma estruturante do futebol e do mundo esportivo no Brasil, mas isso, como sempre, vai depender dos nossos políticos, que costumam proteger os cartolas que os apoiam, quando não são um deles.
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