- Valor Econômico
• Manobra evidenciou vácuo de liderança no joio a ser debulhado
A desastrada operação que frustrou a votação da anistia ao caixa dois na noite de segunda-feira evidencia as dificuldades de o Congresso e, em grande parte, o governo, debulhar o joio pós-impeachment sem seu principal artífice.
A votação estava programada para escrever o capítulo seguinte ao "golpe do golpe", com o qual o presidente do Senado, Renan Calheiros, manteve os direitos políticos da presidente cassada.
Ao contrário daquela sessão, no entanto, faltou, na Câmara, um comando para a operação. A convocação, naquela noite, de sessão do Congresso por Renan, que facilitaria o quórum das duas Casas, deixou as digitais do presidente do Senado na manobra. As luvas usadas pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não evitaram suas digitais na trapalhada.
A dupla ausência dos presidentes Michel Temer e de Maia das funções das quais são titulares, que Miro Teixeira denominou de "estranha coincidência", deixou evidente o vácuo de liderança. O deputado que já viu tudo, nunca assistira a manobra igual. As trapaças da Casa se ressentiram da "pedagogia do exemplo" de Eduardo Cunha.
Sobraram adjetivos, do PSol ao DEM, - bandalheira (Ivan Valente), golpismo (Jorge Solla), armação (Alexandre Molon), ocultação de cadáver (Miro Teixeira), ideia de jerico (Onyx Lorenzoni) - e faltaram autores para a inclusão de projeto que não constava da pauta daquela sessão extraordinária. O texto sobre reforma política, que dormia na Casa há nove anos, sequer tratava de caixa dois e seria emendado para abrigar sua anistia.
Nenhum dos líderes que Maia diz ter sugerido a inclusão do projeto na pauta pediu a palavra para defendê-lo quando o presidente da sessão, Beto Mansur, reconheceu sua existência. Tanto os líderes quanto Mansur apontaram o dedo para o presidente da Câmara quando questionados sobre a autoria da pauta.
Dos muitos erros cometidos por Eduardo Cunha no cargo nenhum foi tão primário. A elaboração da pauta é feita em conjunto entre o comando da Câmara e os líderes. Em temas polêmicos, cabe ao presidente da Casa costurar com as lideranças o compromisso formal de que nenhuma delas arredará o pé quando a votação for questionada.
No limite, Eduardo Cunha usava este compromisso para ameaçar a desmoralização pública de lideranças que ameaçassem recuo, comprometendo todos com o desfecho da votação. Com os métodos que lhe são peculiares, foi quase isso que Cunha fez na votação da reforma política. Fechou com o então vice-presidente, Michel Temer, a defesa do distritão, destituiu o relator que discordava do modelo eleitoral e encomendou novo substitutivo ao presidente da comissão (Rodrigo Maia).
A reforma passaria com mudanças significativas, como o fim da reeleição, mas esbarraria no distritão. Naquela votação, no entanto, Temer, que acumulava a Vice com a presidência do PMDB, e Maia, que também era líder do DEM, foram tão derrotados quanto Cunha. Nenhum deles veio a público culpar o presidente da Câmara pelo desfecho.
A cassação de Cunha, que chegou a reinar sobre uma miríade de siglas, fortaleceu os chefes partidários. Hoje a tensa administração dos recursos públicos em poder das legendas, decisivos numa campanha sem dinheiro empresarial, absorve os caciques. A gerência das dívidas de campanha não sugere tempos mais pacificados depois das eleições no governo congressual de Michel Temer.
Na segunda-feira, quando Beto Mansur viu que a votação enfrentava resistências suspendeu a sessão para que as legendas se reunissem. Em quase todas elas, excetuando-se Psol e Rede, havia envergonhados defensores da anistia, que ora se reuniam na liderança dos partidos, ora no gabinete da presidência da Câmara ou do Senado. A ausência de consenso fez com que a pausa, marcada para durar 20 minutos, extrapolasse uma hora.
A ausência de democracia interna das legendas, a maioria das quais geridas por comissões provisórias, aumenta a imprevisibilidade do cabo de guerra pelo fundo partidário num momento em que um dos mais habilidosos gestores dessa disputa está no estaleiro.
Não parece haver dúvida de que a ausência de Eduardo Cunha é benéfica para os costumes da República. No momento mais tenso da sessão, a Câmara assistiu a uma cena inimaginável sob sua gestão. Miro Teixeira subiu à mesa diretora e começou a falar com seu presidente num volume que pôde ser captado pelo microfone "Isso é fechar a Câmara. Não faz isso, Beto".
A abortada sessão, na avaliação dos parlamentares que foram para a guerrilha, queimou o filme da anistia. O desgaste, no entanto, não impedirá que o tema volte a ser pautado na comissão das dez medidas anticorrupção.
Se Eduardo Cunha foi cassado para o bem do Brasil, ainda não está claro se o foi para os interesses do governo e de seus aliados. A prova dos nove é a PEC dos gastos. A votação da anistia mostrou a dificuldade de pactuar publicamente os parlamentares em torno de um tema que os envergonha ante o país. Nada garante que o capuz usado facilitará a identificação e o amálgama de interesses sem os quais pauta alguma de aperto fiscal anda no Congresso.
Vigias da eleição
A proibição do financiamento empresarial e a restrição da propaganda eleitoral tornou mais fácil identificar abusos e fez proliferar aplicativos de denúncias que qualquer eleitor pode baixar em seu celular. O do TSE ("pardal") mostra que São Paulo, Estado com o maior número de candidatos, concentra, naturalmente, mais denúncias. No detalhamento, no entanto, o ranking é mais diversificado. Em doações e gastos irregulares, Pernambuco (101) e Bahia (95) lideram. Em uso da máquina pública, o campeão é o Espírito Santo (232), seguido por São Paulo (226), onde a propaganda eleitoral é também a mais irregular (2303) e a compra de votos (149), mais abundante. O Tribunal Regional Eleitoral do Paraná não abastece os escaninhos oficiais, mas o Estado da Lava-Jato lidera, com 61 denúncias, o aplicativo da OAB, o segundo deste mercado.
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