quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Aliança ecumênica para mudar a lei e escapar da Lava-Jato – Editorial / Valor Econômico

Há tempos alguns dos principais partidos, como PSDB, PMDB, PP e PT, se articulam para circunscrever ao máximo os danos produzidos pelas investigações da Operação Lava-Jato. Uma lista encontrada em posse do presidente da Odebrecht Infraestrutura, divulgada no início do ano, por exemplo, relacionava valores distribuídos a 279 parlamentares de 22 legendas. O alvoroço dos congressistas seria menor se esse dinheiro tivesse sido declarado de acordo com as normas legais. O que a Lava-Jato mostrou é que boa parte dos recursos fornecidos por empresas driblaram a lei e ensejariam punição. Para escapar da punição, uma inacreditável manobra foi tentada na madrugada de segunda-feira, em sessão da Câmara dos Deputados, para aprovar um adendo a um projeto de lei que não estava em pauta - o 1210 de 2007 - que no final anistiaria o uso pregresso de caixa 2.

Graças a deputados do PSOL e da Rede, a manobra fracassou. Mas os interessados em que ela prospere são muitos e a "anistia" buscada pelos partidos poderá tomar a forma de uma duvidosa tipificação explícita do crime de caixa 2, o que tornaria os fatos anteriores a sua promulgação isentos de punição. No cipoal da legislação brasileira, tudo é possível, como demonstrou o impeachment sem perda de direitos políticos da presidente Dilma Rousseff. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, disse que a Corte não tem uma posição unificada a respeito do tema, logo há espaço para que os políticos tentem atingir seus objetivos.

Para o ex-ministro do STF, Carlos Velloso, as manobras típicas do caixa 2, como ocultação de patrimônio e bens, e a manutenção de recursos em contabilidade paralela constituem-se em crimes claros na legislação eleitoral e no Código Penal ("O Globo", ontem). O artigo 350 do Código Eleitoral estabelece multa e pena de até 5 anos de prisão para "omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa". Sob a égide da falsidade ideológica seria possível punir o uso do caixa 2, também utilizando-se da mesma figura prevista no o Código Penal.

Aproveitando a carona do projeto de dez medidas contra a corrupção, elaboradas pelos procuradores do Ministério Público, deputados e senadores concordaram em "criminalizar" definitivamente o caixa 2, o que certamente agravará as punições no futuro, mas passando a borracha no passado. Haveria a vantagem de delinear com mais precisão, o que a legislação não faz a contento, os delitos cometidos pelos doadores e as penas correspondentes.

Os maiores partidos, como PSDB, PP, PT, PR e PMDB, não assumiram a manobra noturna na Câmara, mas estão irmanados na intenção que a produziu. O projeto de 2007, que, entre outras coisas, estabelece a possibilidade de federações partidárias e proíbe as coligações entre legendas nas eleições proporcionais, presta-se pouco a isso. Já o 9504, deste ano, que estabelece penas de 3 a 10 anos de reclusão para fatos que caracterizam o caixa 2 e que trata especificamente do combate à corrupção, seria mais propício a abrigar uma emenda explícita para anistiar os infratores.

A existência do caixa 2 é um segredo de Polichinelo e, independentemente da coloração política, o argumento unânime usado pelos partidos é o de que ele é onipresente em todas as campanhas eleitorais, há muito tempo. Como em muitos outros casos, sempre é possível encontrar o meio legal de punir o caixa 2, desde que haja interesse e meios para isso. A Justiça é morosa, e, nas poucas vezes em que condenou alguém, o fez muito tempo depois que a vantagem propiciada por recursos não declarados já não poderia ser desfeita. A pena de prisão é rara, por envolver foro privilegiado e contam-se nos dedos das mãos os políticos que foram condenados pelo STF, seja por que motivo for.

O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Geddel Vieira, responsável pela articulação política, acredita que sequer deveria haver anistia para quem se beneficiou do caixa 2 pelo simples fato de que não há crime algum. Ressalvando não falar pelo governo, defendeu que as discussões sobre o tema prossigam no Congresso "sem preconceito e sem histeria". Preconceito sobre caixa 2, é sabido que poucos políticos têm. Alguma histeria se justifica, por causa da Lava-Jato. E se algum ajuste na legislação tem de ser feito, que o seja à luz do dia, com patrocinadores da causa claramente identificados.

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