quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Sistema desigual - Míriam Leitão

- O Globo

O debate sobre reforma da Previdência é inesgotável. Há quem diga que não é justo alongar o tempo de se aposentar porque a pessoa que trabalhou em serviço pesado, e ganha pouco, não aguentaria esperar tanto. A verdade dos números mostra que o segmento de renda mais alta é que se aposenta mais cedo. Homem que trabalha na informalidade se aposenta com 65 anos; mulher, com 60.

O secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, explica essa desigualdade — mais uma — dentro do sistema de previdência no Brasil.

— A aposentadoria por tempo de contribuição é, em geral, para o segmento de renda mais alta, que consegue se inserir no mercado mais cedo e permanecer nele sem interrupções. Por isso, a idade média de homem que se aposenta por tempo de contribuição é 55 anos e de mulher é 52 anos. Quem está na faixa de maior precarização fica entrando e saindo do mercado formal e ao transitar entre a formalidade e informalidade acaba não conseguindo comprovar o tempo de trabalho — diz o economista.

Isso derruba um dos argumentos contra a reforma da Previdência: o de que ela seria injusta com pessoas que tiveram trabalhos muito desgastantes e salários menores. Bem ao contrário, esses, em geral, estão na faixa que já se aposenta pela idade mínima que o governo quer estabelecer.

— Do total de benefícios que existem hoje, na área urbana, 3,67 milhões de pessoas se aposentaram por idade com no mínimo 65 anos, para homem, e 60, para mulher. Por tempo de contribuição, são 5,57 milhões. Na área rural, existem 6,27 milhões de trabalhadores que se aposentaram por idade, mas apenas 21 mil por tempo de contribuição — diz Marcelo Caetano.

Os números mostram que no setor rural, onde a precarização é ainda maior, os que conseguiram comprovar tempo de carteira assinada são uma pequena minoria. Já na área urbana é um número considerável. O estoque total de benefícios, entre aposentados por tempo ou por idade, os aposentados por invalidez e os pensionistas, dá 28 milhões.

Outro argumento contra a reforma é que o brasileiro entraria mais cedo no mercado de trabalho. Marcelo Caetano diz que é mito. Pelo Caged, o brasileiro entra, em média, com 23 anos no mercado de trabalho atualmente. O mercado informal não tem estatística:

— Os dados da OCDE mostram que no Reino Unido a idade média com que se entra no mercado de trabalho é 19,7 anos, para homem, e 21 anos, para mulher. Na Itália, é 24 anos, homem, e 26 anos, se for mulher. Portanto, não é verdade que o brasileiro começaria a trabalhar mais cedo, porque a idade de inserção no mercado de trabalho é mais ou menos parecida com a da Itália e maior do que a do Reino Unido.

A reforma da Previdência ainda não foi enviada para o Congresso, por isso o secretário diz que não quer falar sobre o que será proposto. Mas afirma que é indispensável que ela seja feita.

— O Brasil passa por dois fenômenos demográficos: envelhecimento populacional e queda de fecundidade. Desde 2005, o crescimento da população está menor do que a taxa de reposição. A geração que nasceu em meados da década passada não repõe a dos pais. Esses dois elementos, vida mais prolongada e queda da fecundidade, exigem aumento da idade para se aposentar e, desta forma, ajustar o sistema. Do contrário, os outros gastos serão sufocados. O sistema precisa ser mais igualitário para que seja sustentável — diz Caetano.

Mas não é apenas a idade mínima que resolve o problema. Há outras desigualdades e privilégios. O governo Dilma tentou mudar o ponto que permitia pensão vitalícia e integral para viúvas e viúvos muito jovens. Conseguiu aprovar uma mudança, depois de muitas concessões, só que, no mesmo projeto, o Congresso derrubou o fator previdenciário. Há desigualdades entre a previdência dos trabalhadores do setor privado e do setor público e entre civis e militares. Há privilégios inaceitáveis para parlamentares e ex-governadores.

Se o país quiser um sistema igualitário e sustentável, terá que enfrentar todas as desigualdades. Não basta apenas olhar para o que acontece no Regime Geral de Previdência Social. Mas mudar as regras do INSS é o começo desse trabalho que o país precisa encarar em nome do seu futuro.

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