- Folha de S. Paulo
A montanha pariu um rato. Se eu usasse essa fórmula para descrever a denúncia que a força-tarefa da Lava Jato apresentou contra o ex-presidente Lula, não estaria sendo mais hiperbólico do que foram os procuradores na entrevista coletiva em que apresentaram o caso, chamando Lula de "comandante máximo" do petrolão, "artífice da propinocracia", "maestro da orquestra criminosa", entre outras expressões de igual calibre.
Antes de prosseguir, porém, vamos contextualizar as coisas. Do ponto de vista ético, não resta nenhuma dúvida razoável de que o ex-presidente estabeleceu com empreiteiras uma relação extremamente promíscua, daquelas que o PT dos anos 80 e 90 jamais teria tolerado nem de um militante júnior, quanto mais de seu dirigente máximo. Eu acrescentaria ainda que, descontados os arroubos retóricos, a descrição que o Ministério Público fez de Lula como chefe de um amplo esquema de corrupção que prosperou sob seu governo e o subsequente é verossímil.
A questão é que, no registro do direito penal, isto é, para mandar alguém para o xadrez, precisamos mais do que reflexões éticas e verossimilhanças. É necessário que haja uma descrição clara da conduta criminosa atribuída ao acusado e provas que sustentem as imputações. Eu não diria que a denúncia apresentada não traz nada disso, mas ela certamente fica muito aquém de retratar um general da propinocracia. As acusações formais contra Lula estão limitadas a corrupção passiva e lavagem de dinheiro em dois casos específicos: por ter tido despesas de armazenamento de bens pagas pela OAS e por quase ter ficado com o famoso tríplex do Guarujá —negócio que nunca foi formalizado, o que facilita a vida da defesa do ex-presidente.
Há algo de melancólico em ver quem já ostentou uma das mais inspiradoras biografias de líder político do mundo dependendo de filigranas jurídicas para não ir para a cadeia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário