Sob a pertinaz liderança do Itamaraty, os quatro países fundadores do Mercosul completaram nesta semana expressiva mudança de atitude em relação à Venezuela. Abandona-se a indulgência quase servil praticada durante boa parte dos anos petistas, passa-se a um rigor quase hostil neste começo de governo Michel Temer (PMDB).
Na terça-feira (13), Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai decidiram não só impedir a Venezuela de assumir a presidênciarotativa do bloco mas também dirigir-lhe um ultimato: se não se adequar às normas do Mercosul até o dia 1º de dezembro, o que parece impossível, o país terminará suspenso.
Do ponto de vista formal, a justificativa reside no fim do prazo de quatro anos, encerrado mês passado, para que a Venezuela implementasse os compromissos assumidos ao assinar o ato de adesão. O comunicado conjunto cita pontos importantes, como o protocolo de proteção aos direitos humanos.
É difícil crer, no entanto, que essa seja a explicação verdadeira. Num período relativamente curto, Caracas implantou 953 das 1.224 regras vigentes; de resto, a história do Mercosul registra episódios de descumprimento do acervo normativo por parte de seus integrantes.
A punição escolhida, além disso, nem se encontra nas regras do bloco, mas na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.
Causa estranheza que o Itamaraty tenha ido tão longe. Para endurecer com o governo Nicolás Maduro, iniciativa há muito necessária, era bem mais fácil recorrer ao Protocolo de Montevidéu, sede da notória cláusula democrática do Mercosul. Foi por meio desse mecanismo que se suspendeu o Paraguai, em 2012, após impeachment do então presidente Fernando Lugo.
A Venezuela claramente fere tal acordo. O regime autoritário de Maduro mantém presos políticos, dobra as instituições à sua vontade e, nos últimos meses, manobra para adiar um referendo revogatório previsto na Constituição –que, uma vez realizado, deve levar à interrupção de seu governo desastroso.
O ministro José Serra (Relações Exteriores), contudo, preferiu o motivo mais frágil para levar adiante o que parece ser sua prioridade regional: isolar a Venezuela. Tanto assim que sua pressão para o Uruguai retirar o apoio a Caracas no Mercosul (era preciso haver consenso entre os fundadores) chegou a estremecer as boas relações entre Brasília e Montevidéu.
São evidentes os sinais de cálculo eleitoral nessa diplomacia inflexível de Serra, em tudo distante da condescendência característica dos governos antecessores.
Nesse intuito, o chanceler ameaça os bem-vindos, embora tardios, esforços do Itamaraty para facilitar o diálogo entre governo e oposição na Venezuela. Mais relevante, põe em risco a longa tradição da política externa brasileira, discreta, conciliadora e não intervencionista.
Sempre se cobrou, neste espaço, que o Itamaraty fosse conduzido sem ideologia. A cobrança persiste.
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