- Valor Econômico
Deltan Dallagnol jogou terra no ajuste fiscal do governo Michel Temer com a apressada denúncia contra Luiz Inácio Lula da Silva. O discurso do ex-presidente deixou claro que sua estratégia de defesa é se associar, na vitimização, aos afetados pelo corte de gastos sociais que está por vir.
Não parece ser outra a razão pela qual o governo, depois de reconhecer o erro de ter menosprezado as mobilizações, adiou para o próximo ano a reforma trabalhista e também colocou em ponto morto a da Previdência, duas das mudanças que mexem mais concretamente em direitos sociais. Resta a PEC dos gastos e sua centralidade para a manutenção da confiança dos mercados.
Se, por um lado, o recente sucesso dos pixulecos infláveis coloca incertezas sobre o sucesso dessa estratégia, sindicatos e movimentos sociais têm levado um outro manifestante de volta à rua. É um público que cresce com repressão policial. Por isso não pareceu ter sido fortuito o elogio do ex-presidente aos estudantes que apanham da polícia do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Lula busca sócios à sua vitimização para elevar o clamor por sua inocência.
O ex-presidente estava vestido com a mesma camiseta polo vermelha bordada em branco com o símbolo do PT com a qual discursou na quadra dos bancários em março, ao deixar a condução coercitiva aprovada pelo juiz Sergio Moro.
Naquele momento, no entanto, estava em jogo a defesa do mandato da ex-presidente Dilma Rousseff. Desta vez, Lula deixou claro que se moverá para gerar instabilidade no governo Temer com sócios preferenciais: "O país que sonho está longe de ser construído. Subimos apenas um degrau que eles estão tirando agora. Essa meninada que proibiu o Alckmin de fechar as escolas em São Paulo, essa meninada que está indo para a rua é um Lula de 71 anos multiplicado por vários".
O ex-presidente parecia menos abalado do que naquela ocasião, quando falou diante de uma plateia de militantes inconformada com a atuação da força-tarefa. Ontem, no diretório do PT, se fez cercar, majoritariamente, por parlamentares e ex-ministros, além dos presidentes do PT, da CUT e do MTST. O líder deste último, Guilherme Boulos deixou claro que a PEC dos gastos pode vir a gerar um caldo de insatisfação favorável à defesa do ex-presidente. Foi Boulos, cada vez mais próximo de Lula, quem comandou as últimas manifestações em São Paulo.
Em vários momentos, Lula falou da denúncia como motivo de divisão e ameaça à reputação de procuradores. O ex-presidente parece confiante de que as 149 páginas apresentadas na quarta-feira por Dallagnol se ocupa mais em criminalizar o presidencialismo de coalizão do que em provar sua condição de 'comandante da propinocracia'.
A acusação da força-tarefa, eivada de adjetivação, foi apresentada no mesmo dia em que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, recuou dos termos com os quais havia qualificado a defesa de Lula, por "embaraçar as investigações". Há apenas cinco dias, Lula marcou presença na posse da ministra Cármen Lúcia, indicada em seu governo, como presidente da Corte.
A condução coercitiva de março levou o juiz Sergio Moro a tomar a mais séria reprimenda de Teori desde o início da Lava-Jato mas foi capaz de impedir que Lula tomasse posse no governo Dilma, precipitando o desfecho do impeachment. A denúncia de quarta-feira ainda está por ser aceita por Moro, que pode acatá-la parcial ou integralmente e, assim, mover as cartas de que Temer dispõe para concluir seu mandato.
Da decisão do juiz dependem não apenas Lula, como quase todo o primeiro escalão do Executivo e do Legislativo, que, a partir dos termos da denúncia, passam a ficar sob o jugo da mesma subjetividade dos procuradores de Curitiba. Talvez por isso, os partidos da base do governo Temer foram comedidos ao comentar a denúncia contra o ex-presidente.
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