Na medida em que a Venezuela se afunda em uma crise política e econômica profunda, seus laços com o Mercosul se tornam tênues e tendem a desaparecer. O governo de Nicolás Maduro, incapaz de corrigir os rumos desastrosos a que seu governo levou o país, deveria assumir a presidência do bloco, mas foi barrado pelos governos do Brasil e do Paraguai. Após invectivas bolivarianas e um período de acefalia, Brasil, Paraguai e Argentina sacramentaram que irão preencher o vácuo com uma direção colegiada até o fim do ano, com a anuência do Uruguai, que se absteve na questão. Foi dado um prazo - 1 de dezembro - para que a Venezuela se adeque a determinações importantes para continuar a pertencer ao grupo.
A Venezuela, segundo nota da chancelaria brasileira, deixou de cumprir obrigações econômicas imprescindíveis como membro do bloco e descumpriu o prazo estipulado, 12 de agosto, quando completava os quatro anos de seu polêmico ingresso no Mercosul, após o afastamento temporário do Paraguai. Mas a nota lembra também que há deveres políticos igualmente deixados de lado, como o Compromisso sobre a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos que, no contexto da crise venezuelana atual, têm sua importância magnificada.
Com a perda acelerada de popularidade do governo Maduro e a multiplicação de expedientes que ferem as regras democráticas elementares, a Venezuela está sendo implicitamente cobrada agora por seus parceiros a cumprir as cláusulas democráticas do bloco. A oposição venezuelana passou pela primeira barreira da corrida de obstáculos eleitoral, ao reunir 2 milhões de assinaturas para a convocação de um referendo revogatório - eram necessárias 400 mil. A segunda etapa, na qual precisa obter 4 milhões, foi protelada pelo Conselho Eleitoral, ocupado por chavistas.
O conselho indicou que só vai dar o sinal verde para o início de nova coleta de assinaturas no fim de outubro, tornando remotas as chances de o referendo ser realizado até 12 de janeiro, data a partir da qual ocuparia a Presidência o vice-presidente, se o pleito fosse desfavorável a Maduro. Ao que tudo indica, a convocação às urnas, leito democrático onde desaguaria o conflito político, não ocorrerá este ano.
Não bastasse a negativa, acusações de fraude em milhares de assinaturas levaram políticos chavistas a pedir a não realização do referendo e buscam criminalizar alguns líderes dos partidos opositores.
Enquanto fecha os caminhos para resolução pacífica de conflitos, Nicolás Maduro disparou seus brios de democrata contra o Brasil, acusando-o, junto com Argentina e Paraguai, de formar uma "tríplice aliança" do neoliberalismo contra o país. Acusou a deposição de Dilma de "golpe" e disse que não reconheceria sua exclusão da presidência rotativa do Mercosul.
Em dezembro, assim, a Venezuela pode ser suspensa do bloco, se não cumprir as condições com as quais concordou quando de sua adesão. Ao que tudo indica, isso não acontecerá. O caos econômico, expresso em um sistema cambial delirante, e a falta de divisas fortes impedem que o país continue suprindo dólares para remessas de empresas de fora, inclusive brasileiras, que prestam serviços ou lá produzem bens. Politicamente, na prática, a Venezuela não reconhece o governo brasileiro e hostiliza o paraguaio e o argentino.
A lógica de trazer um vizinho do barulho como a Venezuela para o Mercosul, obra da diplomacia brasileira, foi moderar o ímpeto dos líderes bolivarianos, por meio da integração econômica e de paciente ação de influência com vistas a uma acomodação do chavismo. Esses objetivos, se eram factíveis - e havia sérias dúvidas sobre isso - se frustraram. O Brasil fez um esforço de compor uma missão da Unasul para fiscalizar as eleições legislativas de dezembro, mas seu representante foi "vetado" informalmente e os objetivos da missão foram severamente reduzidos. Depois, o governo venezuelano trocou pontapés com a Organização dos Estados Americanos, a quem considera um instrumento do imperialismo americano, sobre a democracia no país.
O caminho da gestão diplomática, que deve ser tentado até o fim, tem poucas chances de sucesso. A Venezuela já se isolou dentro do bloco e tende a ser jogada à própria sorte, fora dele, em dezembro. Será péssimo para os venezuelanos e algo pouco relevante para o Mercosul.
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