- O Globo
A estridente apresentação da denúncia do Ministério Público é um case perfeito sobre os tempos atuais. Há naquela cena e na repercussão que se seguiu doses de preocupação justas com possíveis exageros da Lava-Jato e de desonestidade intelectual a serviço de uma causa.
Cada lado dessa história traduziu o episódio ao sabor de suas convicções. Os relatos nas redes sociais acrescentaram ingredientes fantasiosos para reforçar uma ou outra versão. Uma análise fria, porém, permite separar as coisas e concluir que a leitura mais honesta está provavelmente no meio do caminho.
A maior polêmica se deu em torno da suposta confissão de um dos procuradores (“não temos prova, mas temos convicção”), explorada por Lula. Noves fora os memes hilários que nos fizeram rir, serve para muito pouco.
A frase nunca foi dita. Há um ponto da apresentação do qual, imagina-se, ela tenha sido extraída. Trata-se da exposição do procurador Robertson Pozzobon, que, ao explicar a denúncia de lavagem de dinheiro, afirmou que “não há provas cabais de que Lula é efetivo proprietário no papel” do tríplex do Guarujá.
Não há aí confissão de falta de provas. Nunca houve a suspeita de que Lula fosse o proprietário, no papel, do tríplex. Mas sim de que o ex-presidente era o dono oculto do apartamento. Há fartas evidências nesse sentido, como as conversas grampeadas entre engenheiros da obra e a presença de Lula e Marisa no imóvel.
A Lava-Jato, porém, trata o caso do tríplex não como um mimo a Lula, mas como parte do pagamento ao “comandante máximo” da “propinocracia”. Nessas graves acusações, aí sim, há mais convicções do que provas.
O Ministério Público é o órgão acusador. Cabe à Justiça analisar se houve ou não crime. Mas quando exageram nas tintas, os procuradores alimentam o discurso de perseguição política e diluem os aspectos técnicos da investigação no ambiente nebuloso das disputas virtuais.
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