• Especialistas afirmam que equilíbrio das contas deve vir mais pelo corte de gastos e preveem reação lenta
Gabriela Valente, Manoel Ventura*, Cássia Almeida, Roberta Scrivano - - O Globo
-BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO- A queda da arrecadação federal está cada vez mais acelerada. Já descontado o efeito da inflação, as receitas desabaram 10,1% em agosto na comparação com o mesmo período do ano passado. Os brasileiros pagaram R$ 91,8 bilhões em tributos, no pior resultado para o mês desde 2009, quando o país e o mundo estavam mergulhados na crise financeira internacional. Foi o 17º mês seguido de queda real na arrecadação, no mais longo período de retração também desde o colapso global. Com esses seguidos resultados negativos, será difícil para o governo contar com a receita para equilibrar as contas públicas. Especialistas avaliam que a recuperação lenta e a própria composição dessa reação recente não vão impulsionar a arrecadação com força. Com isso, para eles, torna-se mais urgente aprovar a proposta de emenda constitucional (PEC) do teto de gastos, que deve estar pronta para ser enviada ao Congresso na semana que vem.
— A arrecadação está caindo mais que o PIB e não se sabe exatamente o que está por trás desse recuo. De janeiro a agosto deste ano frente a 2014, a queda está em 10,9%, enquanto o PIB, na mesma comparação, caiu cerca de 7%. Obviamente, com a economia parando de cair, pode haver algum crescimento de receita — afirma Armando Castelar, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Para o economista, é preciso aprovar o teto dos gastos públicos, para interromper a alta contínua das despesas de 6% acima da inflação desde 1997.
— Se isso acontecer, abre um espaço enorme para redução dos juros, o que terá mais efeito sobre a dívida pública que alcançar superávits primários que só devem se concretizar daqui a seis anos.
Para Fabio Klein, analista de finanças públicas da Tendências, a reação da economia está acontecendo em setores que recolhem menos tributos, como investimentos e exportações, o que pode explicar a retração:
— O crescimento estava muito baseado no consumo e no crédito, setores que arrecadam mais impostos. Com a crise no mercado de trabalho e queda no consumo, a arrecadação demora a reagir.
MEIRELLES NEGA ALTA DE IMPOSTO ESTE ANO
Nenhum dos dois economistas espera aumento de impostos. O próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que não há previsão de alta de impostos este ano e disse que o resultado da arrecadação era previsto e que voltará a crescer juntamente com o PIB. Meirelles não descartou, porém, alta de impostos em 2017.
— O que nós estamos vendo agora é exatamente o resultado desta recessão fortíssima em que o Brasil entrou já no fim de 2014. À medida que isso for corrigido, a atividade se estabiliza e começa a crescer. E, depois de algum tempo, aí sim se espera o crescimento da arrecadação — disse Meirelles em São Paulo.
Pelo caminho da alta de impostos, a Cide, contribuição que incide sobre a gasolina, é a única que pode subir sem aval do Congresso, lembra Castelar:
— Há impacto inflacionário, o que pode fazer o Banco Central subir juros. O que se arrecada mais paga de juros na outra ponta.
A receita com privatizações e concessões pode ajudar no ajuste fiscal e, em algum momento, as desonerações, que correspondem a 4,5% do PIB, terão de ser revistas, dizem os analistas:
— É uma agenda a se debruçar quando a economia se recuperar — avalia Castelar
Klein afirma que as desonerações tiram R$ 90 bilhões da arrecadação por ano.
Uma das causas da queda da arrecadação foi a alta de compensações de impostos, que será investigado pela Receita. Em agosto de 2015, as empresas usaram R$ 3,98 bilhões em créditos tributários, compensando impostos pagos a mais ou usando créditos de ações que venceram na Justiça. No mês passado, o número quase dobrou e chegou a R$ 7,15 bilhões e, segundo a secretaria, pode indicar irregularidades.
— Isso já vinha chamando a atenção, mas nada como agora. É um movimento atípico — disse Claudemir Malaquias, chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros.
Por causa dessas compensações, deixaram de entrar no caixa do governo R$ 59,6 bilhões em 2016. A pesquisadora do FGV/Ibre Vilma Pinto se surpreendeu com o avanço dessa compensação: — É substancialmente acima do normal. A recessão e a queda no pagamento do Refis contribuíram para a arrecadação menor em agosto. Para a pesquisadora, a expectativa é que a arrecadação continue caindo.
REPATRIAÇÃO AJUDOU
No ano, os brasileiros pagaram R$ 832,2 bilhões de impostos. Isso representa 7,45% a menos que o arrecadado pela Receita nos oito primeiros meses de 2015. Segundo o Fisco, há sinais de melhora.
— Indústria de transformação e alimentos já dão alguns sinais — disse Malaquias.
Diretor de assuntos técnicos do Unafisco (associação dos auditores da Receita), Mauro Silva também aponta o impasse nas negociações salariais entre a categoria e o governo como causa na queda da arrecadação:
— Desde março de 2015, a Receita passa por um estado de letargia. Toda a engrenagem está funcionando abaixo de 30%.
O resultado de agosto seria um pouco pior se não fosse a repatriação de recursos do exterior. Entrou R$ 1 bilhão este mês.
* Estagiário, sob supervisão de Eliane Oliveira
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