sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Lava Jato tem registro de que Braskem pagou parte da propina de Palocci

• Contabilidade do 'departamento da propina' da Odebrecht que foi deletada, mas recuperada pela PF, registra nome e siglas usadas para identificar a petroquímica como origem do dinheiro de corrupção repassado para 'Italiano'; força-tarefa apura se João Santana, marqueteiro de Dilma e Lula, foi um dos beneficiários finais

- O Estado de S. Paulo

A Operação Lava Jato encontrou registros de que a Braskem – petroquímica da Odebrecht, em sociedade com a Petrobrás – pagou parte das propinas destinadas ao ex-ministro Antonio Palocci, via Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht. Há indícios, segundo investigadores, de que um dos destinatários finais do dinheiro seria o marqueteiro do PT João Santana, responsável pelas campanhas eleitorais de Dilma Rousseff (2014 e 2010) e Luiz Inácio Lula da Silva (2006).

Preso nesta segunda-feira, 26, alvo da 35ª fase batizada de Omertà, Palocci teria recebido propinas pela atuar, supostamente de forma ilegal, pela aprovação de duas leis, no Congresso, sobre tributação, com regras que beneficiaram diretamente a empresa. Ex-titular da Fazenda de Lula (entre 2003 e 2006) e ex-Casa Civil de Dilma (em 2011), Palocci teria agido em favor da Braskem em pelo menos dois momentos: em 2009, quando era deputado federal pelo PT, e em 2013, quando era consultor pela empresa Projeto.

Palocci foi detido temporariamente (por 5 dias), por ordem do juiz federal Sérgio Moro, suspeito de ter arrecadado R$ 128 milhões do Grupo Odebrecht em propinas ao PT, entre 2008 e 2013. Nesta quinta-feira, ele foi ouvido por cerca de 4 horas pelo delegado Filipe Hille Pace e pela procuradora da Republica Laura Tessler, da força-tarefa da Lava Jato. O ex-ministro nega irregularidades.

Os valores pagos, com a Braskem como possível origem, foram identificados na análise de dados de planilhas e documentos do controle contábil e financeiro do chamado “departamento da propina” – o Setor de Operações Estruturas. A secretária Maria Lucia Guimarães Tavares confessou, em abril, em delação premiada que o departamento em que trabalhava fazia pagamentos do Grupo Odebrecht por meio de repasses em dinheiro em espécie – via doleiros e operadores do mercado financeiro – e por contas em nome de offshores, em paraísos fiscais. Na ocasião, foram recolhidos documentos e agendas da secretária.

As novas descobertas reveladas na 35ª fase da Lava Jato – que aprofunda as apurações sobre Braskem – vieram com o trabalho de perícia da Polícia Federal, que recuperou arquivos deletados do computador da secretária. A petroquímica, segundo investigadores, era identificada pelo próprio nome e pelas silhas “BRK” e “BK”.

Campanhas. Os registros são de entregas de dinheiro em espécie em endereços de duas empresas de publicidade e comunicação, em São Paulo, com Braskem como uma das fontes de recursos. Os dados deletados estavam no mesmo arquivo de pagamentos da conta “Italiano”, codinome que seria usado para identificar Palocci, segundo afirma a força-tarefa. Nesses mesmos locais, estão os registros de pagamentos ordenados “por Marcelo Odebrecht” efetuados a “João Santana/Mônica Moura (Feira) e outros beneficiários ainda não identificados”.

A Lava Jato destacou um dos registros deletados. Nele está escrito: “EVENTOS/VL/CAPITÃO EVENTOS/VL/CABOS FUSILI PENEI Entregar na R. Sampaio Viana, 202-Sala 72/Sr. Carlos Alberto (11) 8993XXXX ) CP – BRASKEM Pagou 500 (30/07) + 500 (../8)”. Carlos Alberto, acreditam os investigadores, é um nome falso. Em outros registros com esse mesmo nome, o telefone indicado são de outras pessoas.

O material foi cruzado com uma planilha que a Lava Jato tinha, desde março quando duas secretárias do “departamento de propinas” foram presas. Nela estariam registrados o movimento dos R$ 128 milhões de propinas que Palocci teria conseguido da Odebrecht, nos quatro anos.

“Marcelo Odebrecht, em conjunto com Antonio Palocci, ordenou diversos pagamentos ilícitos através do Setor de Operações Estruturadas no período da campanha eleitoral para presidência do Partido dos Trabalhadores em 2010, pagamentos estes refletidos na planilha intitulada “POSIÇÃO – ITALIANO310712MO.xls”, registra o pedido de prisão do ex-ministro.

Nessa contabilidade de valores devidos e pagos para “Italiano”, em outubro de 2013 estava registrado que do montante que ele tinha a receber, havia um saldo de R$ 70 milhões. Até aquele ano, o uso dos recursos foi prioritariamente destinado a pagamentos à “Feira”, referentes ao tema “Evento”. No dicionário de códigos usado no Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, Feira era João Santana (referência a Feira de Santana, na Bahia, terra do marqueteiro), e Evento, campanha eleitoral.

“Chamam a atenção aqueles referentes a pagamentos mencionados na planilha, em especial os pagamentos para João Santana e Mônica Moura (Feira) relacionados ao ‘Evento El Salvador via Feira’ (2008) e ‘Feira (atendido 3,5MM de Fev a Maio de 2011) Saldo Evento’ (2011)”, registra o pedido de prisão de Palocci. A força-tarefa ressalta que a planilha “também revelou pagamentos ilícitos feitos a pedido” de Palocci “desvinculados de maneira direta das eleições presidenciais de 2010”. “Haja vista que foram identificados pagamentos e outras vantagens indevidas concedidas nos anos de 2008, 2009, 2011 e 2012.”

Mônica Moura e João Santana são réus de processo da Lava Jato, em Curitiba, e confessaram ao juiz Sérgio Moro terem recebido US$ 3 milhões da Odebrecht em conta secreta na Suíça, como pagamento de dívida da campanha presidencial do PT de 2010 – quando Dilma foi eleita pela primeira vez.

E-mails e mensagens. Foi da análise de conteúdo dos e-mails do presidente afastado do grupo, Marcelo Bahia Odebrecht, em especial os trocados com executivos da Braskem, e das anotações feitas por ele, que investigadores concluíram que há “indícios preliminares e suficientes para a conclusão de que os pagamentos realizados” para o João Santana e outros beneficiários relacionados ao PT, por suposta indicação de Palocci, “encontravam justificativa em lucros percebidos pela holding Odebrecht na execução de contratos públicos e em benefícios fiscais”. A Braskem, integra a holding.

“Relevante destacar a grande sequência de e-mails trocados entre os executivos da Odebrecht na qual se verifica claramente a atuação de Antônio Palocci junto às altas autoridades federais para assegurar a concessão de benefícios econômicos à Braskem”, destacou o delegado da equipe da Lava Jato, em Curitiba, que mandou prender o ex-ministro.

Uma das anotações destacadas é a que registra: “apoio Palocci > custo tbem Braskem”.

Em outra, consta em um mesmo bloco de notas “Apoio junto a Palocci”. Pouco abaixo, “AIG $ 700M Braskem” e “U$ 8M DGI Braskem até 7/8”. No glossário de códigos da Odebrecht, a Lava Jato interpreta que “DGI” era a sigla para identificar pagamentos ilícitos.

“As diversas anotações mencionam o nome de Palocci”, analisam os peritos. “Entre as muitas anotações, temos novamente menção ao termo DGI, vinculados a Braskem e acompanhado da cifra de U$ 8M (provavelmente 8 milhões de dólares).”

Para a força-tarefa da Lava Jatto, Palocci “efetuou constantemente a interlocução entre as altas autoridades federais e os empresários do Grupo Odebrecht”. “Atuando de forma coordenada e articulada entre ambas as partes, a fim de assegurar o benefício econômico ao Grupo Odebrecht em troca do recebimento de propinas que seriam revertidas em favor do grupo político que implementava as decisões e que lhe dava sustentação e acesso constante às mais altas e estratégicas decisões do Poder Executivo Federal.”

Os investigadores não sabem quanto dos R$ 128 milhões da conta “Italiano” eram responsabilidade da Braskem, ou quais outros pagamentos ela fez no Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht. Para os investigadores, todas as unidades do Grupo Odebrecht, incluindo a Braskem, colocavam recursos no caixa para custear as propinas e pagamentos de campanhas eleitorais e doações a partidos – legais e de caixa-2.

Entre 2004 e 2014, a Polícia Federal estima que foram pagos R$ 1 bilhão em propinas somente referente aos contratos com a Petrobrás – R$ 35 bilhões, ao todo, em dez anos. O cálculo, não inclui valores da Braskem, que agora é foca das apurações, nem contratos em outras estatais e governos. Só João Santana, recebeu US$ 16,6 milhões na rubrica “Feira”.

Atuação suspeita. Os dois principais episódios destacadas pela Lava Jato de suposta atuação de Palocci em favor da Braskem, que justificariam os pagamentos de propinas, são dos períodos em que ele era deputado federal, entre 2006 e 2010 (segundo mandato de Lula), e como consultor, em 2013, após ele ter que deixar o cargo de ministro da Casa Civil do primeiro governo Dilma.

O primeiro envolve a tentativa de adequação do texto da medida provisória (MP) 460, de 2009, e o segundo sobre o Regime Especial da Indústria Química (Reiq), implementado pela Lei nº 12.859, em 2013. Em anotações, Odebrecht relacionou o tema “como um dos ‘créditos’ a serem utilizados para pagamentos ilícitos”, conforme destaca o MPF no pedido de prisão de Palocci.

O caso da medida provisória foi usado no pedido de prisão como “exemplo claro” da atuação de Palocci, revelada nos contatos mantidos entre executivos da Odebrecht, de que ele teria feito “uso de seu poder político e de sua influência sobre as altas autoridades federais”. O objetivo era favorecer a Braskem “mediante concessão de créditos prêmios de IPI na Medida Provisória nº460/2009”.

Como deputado federal e ex-ministro, Palocci teria atuado para a medida que fosse aprovada no Congresso e depois sancionada pela Presidência com item que previa o reconhecimento do benefício de crédito-prêmio do IPI (Imposto sobre Produto Industrializado) até o ano de 2002. “Caso aprovada a medida provisória com o reconhecimento do direito à fruição do crédito prêmio do IPI, os exportadores (dentre os quais se enquadram as empresas do grupo Odebrecht) obteriam vantagem econômica equivalente a bilhões de reais”, afirma a procuradora da República Laura Tessler.

Um e-mail usado como prova, é de junho de 2009. Odebrecht avisa executivos do grupo que teria um encontro com Palocci. “Italiano pediu para estar comigo 2ª as 11hs. Imagino que se por termos acordado que antes da reta final nos alinhariamos qt a contrapartida”.

Para a Lava Jato, o empreiteiro tinha ciência que Palocci, “agentes umbilicalmente ligado ao governo federal da época, solicitaria contrapartida financeira indevida”. “Em razão da atuação do agente nas questões que objetivam a aprovação de medidas tributárias favoráveis à empresa.” A reunião teria ocorrido na “reta final” da decisão sobre a MP 460/2009.

Um documento anexado aos autos que reforçaria as suspeita de atuação de Palocci em favor da Braskem. É um e-mail enviado por executivo da Braskem para Odebrecht. “Os documentos encaminhados a Marcelo Odebrecht e que ele desejava que fosse entregues a Antonio Palocci. Tratam-se de minutas do projeto de lei de conversão da MP 460/09 modificados por Gustavo Sampaia Valverde, executivo da Braskem”, escreve a força-tarefa.

A atuação de Palocci, considerada prática ilícita pela Lava Jato, não resultou na conversão da medida provisória em lei da forma que Odebrecht e os executivos da Braskem esperavam. Em e-mails trocados por Odebrecht e executivos da Braskem no dia 13 de agosto, eles mostram descontentamento quando teriam verificado que a “versão da Medida Provisória aprovada pelo Congresso não asseguraria ao Grupo Odebrecht a vantagem econômica ilícita esperada e previamente pactuada com Antonio Palocci”.

Condenação. Para o MPF, a “menção à sigla BK, em referência à Braskem, como fonte de receita para pagamentos ilícitos, encontra correspondência no fato de que a empresa petroquímica do grupo Odebrecht foi favorecida indevidamente na questão de contrato de fornecimento de nafta da Petrobrás para a petroquímica – fato este que já resultou em condenação”, registra a Procuradoria.

O presidente afastado da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e executivos do grupo já foram condenados pelo juiz federal Sérgio Moro em um processo em que foi considerado o pagamento de propina ao ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa – primeiro delator da Lava Jato. Ele, que foi membro do Conselho de Administração da Brasken, confessou que recebeu valores por benefícios obtidos pela empresa nas negociações de compra de nafta – matéria prima derivada do petróleo – comprada da Petrobrás.

Moro vai decidir se prorroga a temporária do ex-ministro ou se o manda para prisão preventiva – quando não há previsão do seu término.

O juiz poderá, ainda, revogar a ordem de prisão contra Palocci.

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